domingo, abril 6

A Coisa toda

Certa vez resolvi comentar a respeito de como as coisas saem da minha cabeça, como brotam, ou explodem mesmo. As vezes acontece rápido, as vezes demora, preciso de tempos para pensar e pensar. A pior coisa, a mais terrível de todas, é não encontrar explicações para as dúvidas que tenho noção que são respondíveis. Não me refiro a origens, a propósitos sociais nem nada tão grande, senão que detalhes pequenos que todavia não entendo e anseio por entender.

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Entraram na casa do velho com ânimo, tudo dizia que as coisas seriam boas ali, que a viajem, a espera e o sorvete anterior foram um começo agradável da companhia que teríamos mais tarde. Entrou ele, o primo a namorada ele e um casal de amigos conhecidos. Erik apresentou seu avô com claro orgulho, sorriso aberto e cordialidade muito bem polida. O velinho gordo, minto, estupendamente gordo, parecia saudável e muito bem com a vida. Fizeram sala para nós enquanto a velha senhora nós oferecia algo para beber ou comer. Algo típico, poder-se-ia dizer, uma limonada e bolachas caseiras praticamente. Recusou educadamente e conversaram um pouco sobre parentes enquanto nós atentos dávamos breves opiniões. O velho não tardou a perguntar quem seria o primeiro.
"Acho que eu, certo?" Fitou os amigos, e concordaram que sim.
Levantou e se pos a andar em direção do quartinho que o velho indicava. Sentiu-se um pouco incomodo e ainda riu por dentro ao imaginar aquele velho, primeiro, de saia, somente pela expressão e depois com umas cintas de couro vestido de sado-masoquista. Seria engraçado, não adianta.
Seguiu o velho e entrou porta a dentro. O quarto era com pouco iluminação, o que lhe agradou muito, nunca gostara de muita luz, mesmo para ler, preferia uma luz fraca suficiente para deixar seu olhos verdes relaxados e em paz com a iluminação. Fitou ao redor e fez um scan do quarto.
Livros, muitos livros em uma prateleira grande, disposta na frente de uma maca ao fundo do quarto onde uma janela fechada (provavelmente por ser noite) ficava escondida atrás de longas cortinas brancas (pode-se dizer cinzas, de sujas ou velhas... talvez apenas, gastas). Mais a frente da estante, em direção a porta de entrada, existia uma escrivaninha, cheia de apetrechos como se fosse realmente um médico caseiro. Papeis, anotações, mais livros atirados, alguns daqueles brinquedinhos de bolinhas que ficam se batendo por inércia, um relógio velho ao estilo de madeira. A parede ao lado da escrivaninha era forrada de quadros, mais variados tipos, e logo de cara um quadro lhe chamou atenção. Era o famoso jesus, o resto dele esculpido em madeira com coroa de espinhos, de lado como que saindo do quadro. Realmente uma obra digna de se parar para observar. Instantaneamente pensou que o médico tinha deus por perto... e não tardaria para confirmar. Ainda na parede, agora do outro lado, no lado onde ficava escorada a maca, nos pés desta, um pouco para trás havia um espelho comum, retangular e um pouco alto, provavelmente se veria o reflexo da cintura a cabeça sem problemas.
Ele entrou e ficou um pouco imóvel paralisado pela ânsia e curiosidade do que viria a seguir. O velho provavelmente notou, ou mesmo ouviu isso e logo disse com gentileza.
"Deite-se na maca olhando para a porta."
Sem nem assentir, pos se em posição. Hesitou em pouco e perguntou:
"Tiro os tênis?"
"Não tem problema, pode ficar com eles. Agora olhe nos meus olhos."
Ele achou aquilo meio estranho. Sentia-se desconfortável, apesar de estar tranqüilo, sabia que não era receptivo a truques baratos de ilusão ou algo do tipo, e sendo cético, sempre pensava um pouco antes de responder ou perguntar qualquer coisa.
"Eu trabalho com ele." O velho apontou um quadro que estava a direita da porta por onde entraram, abaixo dele havia um banquinho pequeno, como um de praça, muito simpático por sinal e acima dele um quadro de jesus pintado, bonitão, olhos azuis barba no tamanho certo e cabelos melhores que qualquer produto da Seda ou da Dove deixaria. Pensou consigo.
"mmmmmm" (resmungo)
Entendeu perfeitamente que o velho era de deus e de carteirinha. Ali tivera a completa certeza, Mal desviou o olhar da imagem na parede voltando a fitar o velho e este bradou:
"tu acredita em deus???"
Disse numa maneira quase impositora, sentiu até mesmo uma faca no pescoço naquele momento, aquele velho de saia fora direto e cru. Não perderia a compostura diante de uma inquisição dessas. Sem pensar bradou igualmente alto.
"Não."
Aqui, o velho resmungou, talvez já até mesmo tivesse previsto apenas por notar a análise que seu cliente havia feito ao entrar em seu consultório.
Ele por dentro sorria, mas por fora manteve o controle de suas expressões e ficou normalmente sério, sem baixar as sobrancelhas, senão que apenas olhando o velho nos olhos tranqüilamente.
Ele notou que a vontade e polidez do velho começara a desandar quando ele pronunciou as palavras:
"Aqui, eu trabalho com ele, portanto, não tenho como trabalhar se não permitir que o espírito, a energia dele, entre no seu corpo. Mas tudo bem, vamos ver o que consigo." Cerrou os olhos. E como que ficou tendo tiques propositais. Ele Cerrava forte os olhos, marcando bem sua face com a expressão, e movia o rosto para a sua esquerda, como se estivesse inalando com força uma fumaça imaginária, quando chagava a um limite de dobra do pescoço ele abria os olhos, alivia os músculos e fazia de novo, fitava reto... repetia o processo. Resmungou alguma coisa, apenas uns "hmmms" ou algo assim, parecendo se concentrar. Ele também tentou se concentrar. Sua análise corria solta, ele fitava cada detalhe com tanta vontade de descobrir de analisar, de estudar as coisas que ali aconteciam que foi difícil dar-se um tapa na cara, internamente e olhar para o teto para esquecer a análise. Ele pensou sozinho no maca.
"Deixe ele entrar... isso... deixe ele entrar....
oooohhhhh que que é isso! entrar é o escambau!
uhahahhaha. Ta sem brincadeirinhas... Tente parar de pensar Ruffles, tente ignorar as coisas, apenas virar um breve espectador participativo sem muita coisa na cabeça. Ta agora chega de conversa, quiete-se. E fixe no que o velho diz. Ele é velho. Deve saber alguma coisa a mais que tu ainda não descobriu. Ta. Agora..."
Fixou-se no velho e realmente encarou com seriedade as coisas. O velho prosseguiu mais um tempo. Ele pensou que ia sentir algum calafrio, mas não, acabou pensando no fundo que isso seria uma reação natural diante daquela situação não muito comum.
"Não entrou."
Morreu rindo por dentro. Não conseguiu não rir. Como diabos ele queria que se levasse isso a sério assim, ele sabe que somos jovens, que brincamos com essas piadinhas clássicas. Ele também deve ter sido novo um dia, talvez uns dois dias.
"Bom, certo. Você deve deixar ele entrar com tranqüilidade, não se preocupe, estas em boas mãos. Agora vou tentar novamente."
O velho refez o ritual. Ele se punha aos pés da cama de hospital, agarrava a gradezinha aos pés e repetia o processo. Houve falha mais algumas vezes para que aquilo funcionasse direito. O velho parou uma hora e disse que ficava difícil trabalhar assim e perguntou quem deveria chamar. Ele respondeu a garota. Sabia que seu primo queria que ela fosse ver o velho, e pensou que ele se retiraria dali com todas as curiosidades ainda no bolso. Não foi isso que aconteceu. Ela entrou e o velho explicou a ela o que estava acontecendo. Emburrado falara que ele não acreditava e portanto não conseguia fazer muita coisa. Mais uma tentativa e comentou que havia alguma secreção que lhe escorria do nariz, descia pela garganta e afetava-lhe o estomago. Isso renderia uma gastrite futura. Depois perguntou se havia algo de errado com seus testículos. Sim. Ele foi direto e diria até, profissional. Ele respondeu que não corando, afinal, era namorada de seu primo. Por que raios ela ficou ali? Era para o primo dele estar ali, pensou que ela ia ser a próxima! pois bem que seja.
"Não!"
Aquele não saiu quase como um "nunca" dito firmemente. Nunca lhe reclamaram de nada referente a sexo, nunca nem mesmo ele se queixara com seu aparelho sexual, normalmente uma primeira vez levava a uma segunda e com sorte a uma décima sem muita dificuldade, não havia porque ter algo errado ali. Ele lembrou dos tomates. Preveniam o câncer de próstata. "Que diabos é próstata?" perguntou-se e respondeu-se que não interessava. Ia comer mais tomate, ao menos um por ano que fosse. Não interessa como, estava tentando mudar um pouco a ele mesmo. O velho continuou observando seu corpo e parando as vezes em alguns pontos. Perguntou se ele sentia dores no coração. Sentia. E de dois tipos diferentes que todos que vivem de verdade conhecem. Falou sobre as pontadas que vinham as vezes atazanar-lhe o peito.
A garota que agora assistia a tua estava sentada naquela cadeira abaixo do quadro de jesus bonitão. Ficou um pouco impressionada quando o velho lhe explicou que ele tinha ataques cardíacos quando sentia as pontadas, era como um tic tac do relógio que perdia o compasso por alguns instantes provocando espasmos no coração e bombeando o sangue com muita intensidade. Era como se o coração desse uma tossida no meio de uma ópera sendo ele o tenor.
A noite passou, fora a vez da garota, ele ficou fitando os detalhes, e as vezes saia daquele mundo pensando na sua resposta direta e quase maldosa.
"Não."
Era tão importante assim? Agora estava curioso. Não era mais fácil dizer que sim e ver o que ocorreria? Afinal, ele não era um cara sem crenças, ele acreditava em tudo. Como assim tudo, parou um pouco para lembrar. Lembrou-se da visão sistemática, lembrou da física, lembrou da comunicação entre tudo e todos e reafirmou seus pés novamente com alívio interno. Em tudo...

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O final da noite fora interessante, as pessoas olharam diferente para ele pois ele respondera que não e todos ficaram sabendo. Sentiu-se um judeu em terra de nazista, pensou se não fariam piadas sobre fornos e judeus caso o convidassem para comer ou algo do gênero. Pois bem, voltavam agora de carro, no carro da namorada do primo a alta velocidade em direção a Santiago. O primo havia entrado depois e passado um longo tempo na sala com o velho, agora falavam a respeito de como havia sido para cada um. Deram risadas daquelas piadinhas de vou entrar no seu corpo, e coisas do gênero e mais ainda quando o velho havia dito para seu primo que ia entrar no seu pênis. Ele confessou que ficou meio assim com a declaração do velhinho, mas foi tranqüilo, tivera diagnósticos e todos os que responderam que sim estavam curados. O velho lhes tocara e vira as luzes dos corpos, vira a energia negativa saindo e fizera cirurgias internas sem tocar internamente. Não tardou estavam numa discussão a respeito da pergunta.


-Viu só? Custava acreditar? Não é muito melhor? Assim tu tem até assistência médica de graça! hahaha!
-Não é bem assim... eu não posso simplesmente ignorar o que penso, o que fundamenta a minha vida de uma hora para outra só por benefícios. Isso é como renegar a minha história, ignorar tudo que já havia mentalizado e tocar tudo fora.
-Ta, claro... mas é que tu não acredita em nada! Como é que tu quer fazer alguma coisa? Sinceramente não te entendo nesse aspecto, tu é inteligente, gosta de ler e pensar bastante, mas pensa só, todos tem uma religião, porque tu quer ser assim tão rebelde?
-Ahhh o papo e rebelde... A princípio até eu pensei que fosse isso mesmo. "Quero ser diferente e pronto.". Mas não, não é isso, é apenas que eu não concordo com essa personificação, nesse ídolo nesse foco de idéia tão generalizado. Sabe uma crença é uma crença, não podem pedir que eu acredite no que os outros acreditam de tal maneira, não sou um índio para ser catequizado forçosamente ou mesmo pecador por pensar diferente. Raios. É uma coisa simples, cada um com seus amuletos, correto?
-Ta certo, mas agora, no que tu acredita? Tu disse que respondeu pro velho. "Em mim, nas pessoas e suas ações.", isso não é muito né... não vejo nisso uma grande resposta. E falando em acreditar em deus, jesus e todos os outros, eu não falo da igreja católica, eu odeio ela, ela é uma profanação praticamente, muito dinheiro em tudo, é completamente estúpida e tem regimento como se fosse uma nação, colocando cargos e subcargos.
-Sim... é claro, a igreja é uma multinacional, todos nós já sabemos, o que acontece é que muitos, muitos mesmo, ainda vão aos domingos prestar alguma coisa. As pessoas se iludem com uma facilidade incrível, isso me deixa muito triste as vezes. Com podem acreditar nessas coisas tão facilmente? Eu posso inventar um história legal também a respeito da morte, das salvação, da vida eterna, um conto de fadas tão lindo quanto, e quem sabe até por uma pitada do oriente a respeito de virgens ou arem para cada um. Sabe, gosto de falar mal da igreja católica e tenho pena dos desgraçados que precisam de igrejas assim, tão decadentes fundadas na base da caridade.
-É... também não gosto, no Brasil parece que a coisa é pior que aqui.
-É mesmo. Todo lugar pobre tem uma quantidade absurda de igrejas. Acho que se compra um kit alá "faça sua igreja em apenas 7 dias!", ou algo do gênero. Ahhh a respeito da caridade... tu gosta da caridade?
-Não. Nunca gostei. Conhece Machiavel?
-Sim, também gosto desse maluco.
-Então tu conhece um pouco dos pensamentos dele, a respeito de sacrifícios para um bem maior e coisas assim?
-Claro claro, mas eu pensa um pouco diferente ainda, eu acho... É bom usar a idéia do oriente. Os caras desde sempre cultivam a força, quero dizer, não o poder, mas a força! A força de verdade, a virtuosidade de seus corpos o bem estar espiritual e corporal, eles não ignoram o corpo como nossa cultura fez e faz, o corpo e a mente são um só, nenhum vale mais ou menos que o outro, não temos uma ferramenta na mão com este corpo, senão que somos ele e sempre seremos, quero dizer... enquanto aqui o mais forte caça para o mais fraco, e ajuda dando lhe de comer, repartindo pão e multiplicando vinho, lá os caras prezam por orgulho, eles precisam ser fortes para sobreviver, uma lei da selva real, ou seja, não para matar, senão que ter a capacidade de se adaptar aos seu ambiente e poder viver com suas próprias pernas!
-Hummm... entendo. Tu sempre foi desses mesmo, eu sei que tu não gosta de ajuda.
-Não é que não goste... é que... ta, eu não gosto.
-Isso não é bom primo. Não seja arrogante, ajuda também é boa, aquele esquema de aprender a pescar e tudo.
-Eu sei eu sei, gosto de aprender, o que eu odeio mesmo, o que não gosto em mim, e necessitar de certas ajudas, ou seja, eu por exemplo estou voltando para Santiago com vocês por dois motivos que não me deixam orgulhoso. Porque não tenho dinheiro nem para a locomoção nem para hospedagem, logo tenho que ir com vocês.
-Mas tu é meu primo porra, não seja assim. Tu sabe que é bem vindo.
-Sim, eu sei, sou grato e posso-lhe agradecer por muito tempo por todas as aventuras que consigo passar nesse país louco só porque tenho vocês para me ajudarem, o que não gosto, eu tenho que frizar, é que eu preciso da ajuda, eu não tenho opção entendeu? Minha opção seria o orgulho cru e ficar menos de uma semana com o pouco dinheiro que tenho, dai eu penso assim... como eu quero odiar a caridade e pensar na força que as pessoas tem que ter se eu sozinho não tenho nada? Capichi?
-Ca.. entendi.
-É capisco.
-Io capisco.
-Benne.
-Pois bem, mas não pensa assim também, as pessoas precisam de um pouco mais que as próprias pernas... pense só na família!
-Caralho! Tu acabou de detonar uma bomba na minha cabeça. Eu sempre pensei e me perguntei porque os orientais são tão respeitosos e submissos aos seus pais, aos seus costumes. Eu nunca gostei de um costume sem uma resposta plausível, agora tudo faz sentido! Eu não consegui o dinheiro daqui sozinho! Eu consegui graças aqueles velhos malucos lá de casa, que tiveram um nene com 23 anos de idade sem tem nem casa pra morar ainda! Hahaha!!! Meu deus como sou burro! Ahhhahahhaha, e eu ainda grito meu deus! Ateu não praticante.
-Hahhahahhaha.
-Nossa, to feliz por ouvir isso. Feliz mesmo. Mais coisas a mudar. Ta vendo maluco! Ta vendo porque eu viajo literalmente? Eu preciso dessas coisas para aprender, porque normalmente aqui, as coisas acontecem com menos precedência, com uma naturalidade brutal e me fazem evoluir de uma maneira que me agrada muito além do que, a cerveja aqui é de litro.
-Hahhahahah, tu gostou daquela pequenina lá na praia né?
-Adorei, não lembro o nome, mas adorei.
-Ah, e a... a... ah, não lembro, o nome é estranho.
-Mas ta. Voltando a deus... tu acredita nessas coisa né? Não acredita? Lembro que naquelas noites na barraca lá pelo sul falamos a respeito disso, mas foi mais uma guerra pra fazer cada um acreditar no que o outro acreditava sem dar muita noção do que realmente era para si. Agora mudando um pouco as coisas... Como tu acredita nisso cara? Tu não é idiota, eu sei que não, como pode fechar o olhos pra tanta coisa assim?
-Ah, não é bem assim... é que diferente de ti, eu tenho a necessidade de me agarrar a algo. Eu sei, isso é bem bichinha, como tu diz, coisa de maricon mesmo mas é assim que sou, não adianta. Nesse ponto posso dizer que sou fraco por isso, porque tenho essa necessidade de mãe.
-Viadinho.
-Vai se catar! Deixa eu terminar. Então. Como já falei, eu tenho essa necessidade e focalizo meus pensamentos, minhas esperanças nessa imagem, nessa coisa, em um deus, assim... não sei bem como explicar, é que preciso desse foco, preciso do ídolo, da imagem de ter alguém sempre me ajudando, para quando tudo tá uma merda só eu poder contar com ele seja lá o que for, entende?
-Viadinho. Hhahahahaha
-Hahhahahah
-Realmente acho isso uma baitolice. É como chamar a mãe quando as merdas acontecem. Eu sei, sou arrogante, tu descobriu, ou melhor, tu me mostrou isso justo hoje, bom saber que sou arrogante, mas acho muito melhor assim. Eu até penso nessas coisas as vezes... ter um ídolo, acreditar num amuleto, num ponto de referencia, como uma cueca da sorte ou algo assim, mas não adianta, não consigo acreditar nisso de verdade. Não funciona como eu acreditei que vinha pra cá da segunda. Nossa... aquele ano sim, eu tinha a absoluta certeza pra onde ia, não sabia como mas eu ia. Aquilo foi incrível, inacreditável, era uma sensação de confiança pura mesmo, eu ja sabia que ia pra onde queria e ponto final, os meios eram detalhes, meros detalhes.
-Legal... mas e agora, pra onde tu vai?
-Eu to fudido mesmo. Não sei! Não sei mais o que quero, é como poder desejar qualquer coisa, só que não quero nada atualmente, ou melhor, quero nada, ou seja, quero tantas coisas com pouca vontade que eu me dou o luxo de chamar de nada.
-Que merda. Mas tu não queria vir estudar por aqui? Tu falou bastante nisso, eu lembro bem.
-Olha, querer eu quero, mas não precisamente aqui, senão que fora do Brasil, e além disso, estudar o que? Nesse ponto eu empaco.
-Ah, tu faz alguma coisa de informática, acho que tu tinha falado em analise, ou algo da tua área...
-Sim, é eu pretendia fazer analise, mas... mas né?
-O que?
-huuuaahahahahhaha!!!
-Uahahhahah!!!
-Ai isso é tão legal...
-Ta, mas voltando... estava tu, com teus botões sem precisar chamar a mãe, ou deus, ou seja lá o que tu chama isso... no que fica?
-Ah, fica numa coisa.
-Como coisa?
-Coisa. Não sei bem explicar, eu chamaria de coisa mesmo, com C maiúsculo.
-Ta, explica logo, mula.
-Tua vó torta. Mas então... indo para a Coisa.... chamo de coisa porque eu não gosto da idéia de centralização de poder, sabe, deus é poder, poder puro. Desde sempre, desde a história, deus é um resumo de muito poder, pensa... se tu precisa chamar ele pra te ajudar, é porque ele é mais poderoso que tu e pode te ajudar, seja a merda que for. Depois peguemos a história como aconteceu, e não como foi contada. Em nome de deus se matou muita gente, afinal, deus manda porque deus sabe o que é certo. As linhas tortas pelas quais dizem que ele escreve são os cadáveres dos bruxos queimados, além disso, toda a riqueza da igreja ainda nos dias de hoje... nossa, tudo que tem vinculo com o deus que se conhece no cotidiano tem vinculo com alguma espécie de poder. A igreja universal comprou um canal de tv e uma radio. Poder de telecomunicação, poder monetário.
-Sim sim, mas não confunda as igrejas com deus, não tem nada a ver.
-Igualmente cara, como eu falei antes, deus e poder é um sinônimo intrínseco. Mesmo o teu deus, ele representa o poder que tu não tem. Bom, o que vejo de ruim, é que tudo isso está concentrado nessa figura de deus. Eu penso que todo esse poder é parte do TUDO, e quando digo tudo, digo TUDO, tudo mesmo. Todas as coisas que não conhecemos que estão pelo espaço, todos os seres vivos e mesmo as coisas não vivas, eu acredito que cada Coisa, tenha uma vontade interna. É como pensar que a pedra na beira do penhasco não agüenta mais a ânsia de estar ali olhando para baixo e um dia ela se joga, ou ela, cai... alguns diriam que é porque o tempo passou, o vento, a chuva, sol em fim... todas as coisas que influenciam na pedra. Eu acho um pouco diferente, acho que todo o ar ao redor, tudo ao redor estava ajudando a pedra a realizar seu insano deseja de se atirar penhasco abaixo e deixar de viver na agonia de estar a beira de um precipício. Ta... parece meio ridículo, mas se tu abrir um pouco os olhos, é tão ridículo quanto tua idéia de deus.
-Touchet.
-Heheee. :D
-É, vejo que tu não é desmiolado... não era como eu pensava. Agora... ainda assim... eu preciso da imagem, do ponto de foco para direcionar minhas vontades.
-Ah, que se foda. Eeeee.... vamos pedir uma pizza quando chegar!
-Jaira!
:D

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Foi uma conversa longa que tiveram, podia ser muito maior, poderiam ir juntos novamente as montanhas e pensar a respeito de verdade, escalar o máximo, destruir seus corpos até chegar num ponto máximo e ali pensar a respeito em todos os sentidos. Mas aquilo realmente foi bom de por pra fora. Ambos terminaram com suas pizzas em casa aliviados, satisfeitos em duplo sentido, agora aqueles malucos conheciam um passo mais para dentro da cabeça de cada um. Dois malucos, cada um, louco de sua maneira igualmente imbecil.

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