segunda-feira, abril 21

um dia qualquer

Havia saído mais tarde que o inicialmente planejado da casa de Mônica, ela estava agora só, na janela de sua própria casa observando suas costas enquanto ia embora. Ainda gritou:
-Volta hein! To preocupada contigo mocinho!
Num movimento breve, bradou de não muito longe
-Hehh não se preocupe. E voltar, eu sempre volto.
Ela não lhe deu mais respostas porque sabia que ele falava a verdade de seu peito e cabeça, não esperando mais tempo ali, entrou sem mais delongas, ela teria de arrumar a bagunça que os dois fizeram. Pensou consigo, no machismo clássico, rindo e debochando de seus próprios pensamentos: "coisa de mulher!". Não era verdade, ele sabia disso, mas era engraçado que ocorrera justo com Mônica, a mulher com quem podia debater sobre quase absolutamente tudo, inclusive o machismo atual da sociedade moderna. Ela não era feminista, ela gostava de ser bajulada, de não ter que pagar, mas por outros pontos não queria sempre isso, queria uma coisa mais moderada, uma coisa que ele certa vez lhe afirmara ser impossível. Queria igualdade.
Pelas ruas caminhava sozinho com as mãos nos bolsos da calça jeans. Um isqueiro bonito, caro, barato e útil, um punhado de moedas, sua carteira de velho que seu avô havia feito (couro legítimo) e a chave de casa. Vasculhou seus bolsos e ainda encontrou uns papeis amassados, aquele bolo de papel clássico que vira quando se lava uma calça tendo esquecido um pequeno pedaço de papel no bolso, como notas de passagens ou qualquer coisa do gênero. Útil. Por alguma razão ele sabia que o isqueiro poderia saber de algo, poderia indicar, talvez, uma pista pequena que lhe enviasse ao casual Fred novamente.
Sacou o isqueiro do bolso e com habilidade acendeu sua chama amarelada num estalar de metal. Parou por um instante no canto da calçada, na penumbra que as árvores formavam naquele bairro deslocado da cidade sob as luzes amareladas de uns velhos postes e observou o isqueiro.
-Tu estava lá. Tenho certeza...
Era como encarar um livro para tirar seu conteúdo, seu conhecimento e naquele momento, precisamente, sua vivência, por onde passou, o que ocorreu a sua volta. A noite estava caindo de leve e o frio da estação que mais lhe encanta começava a tentar penetrar em sua pele morena. Não se esfriava, ele era quente, o suor poderia escorrer em sua face apenas por um pensamento mais cansativo, logo, vagou tranquilo pela penumbra apenas iluminado pela chama de mais um lucky que inalava o câncer dentro da lei.
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Buscou aconchego num bom livro de vagabundos quando chegou em casa. Aproveitou que todo o pessoal não se encontrava mais ali e acendeu um cigarro dentro de casa, como sempre fora proibido. As páginas do livro foram passando e passando, os cigarros iam na mesma proporção enquanto sentado na sua poltrona favorita, fitava de vez em vez o céu escuro com seus pontinhos ao longe. Assim poderia, começar uma boa noite de sono, distraindo sua mente com os problemas propostos pelo brilhante livro espontâneo.
-Barba por fazer hein Ruffles.
Alisava sua barba de 3 milímetros com a mão recordando o quão bom era receber esse carinho das mulheres que alguma vez na vida lhe deram o prazer da presença.
Finalizou deixando seu corte 1 milímetro e escovando os dentes. Apagou a luz e se foi para sua querida cama.
O sol já estava ofuscando seus olhos quando o telefone começou a tocar.
-aaarrghh.... saco.
-Triiiiiimmmm!
-Triiiiiimmmm!
-Triiiiiimmmm!
Ignorante a realidade gritava do quarto com a cabeça em baixo do travesseiro.
-Já vou! já vou!
-Triiiiiimmmm!!!!
-Triiiiiimmmm!!!!
-trii.
Ficou aliviado quando o maldito telefone parou de tocar. Deixou pra lá a curiosidade e ainda amaldiçoou o desgraçado que inventou o telefone. Aparelho maldito que fazia as pessoas pulsarem de pressa, de curiosidade. Antes de levantar definitivamente e arrumar seu cabelo em frente ao espelho, foi até a janela da frente e vislumbrou o dia. Não era um lindo bosque, ou mesmo vista para o mar, apenas algumas árvores em meio a uma floresta de prédios das mais diversas espécies e um cheiro agradável a suas narinas. Puxou o ar com força para senti-lo com prazer quando sentiu uma dor no nariz e o sangue jorrou para fora quase como água. Correu imediatamente para o banheiro para tentar estancar a ferida ou seja lá o que fosse. No banheiro sujou tudo que foi possível, encharcou muitos pedaços de papel higiênico até que finalmente parou.
-Que diabos?!
Sem compreender o que acontecia, limpou a sujeira da caminhada entre a janela e o banheiro e tomou um banho para aliviar-se. Arrumou-se ao som de escorpiões, enquanto gritava as suas canções favoritas percebera, finalmente que não estava tão quente assim e o dia merecia uma manga mais longa. Colocou sua camisa preta com pequenos detalhes de camursa vermelho no peito e aprovou-se diante do espelho antes de sair de casa.
O restaurante de comida chinesa lhe agradou, até mesmo comeu vegetais e peixe, coisa rara no seu cotidiano.
-São doze com sessenta.
-Mais este halls. - Deixou uma nota de vinte no balcão junto ao halls preto.
-Certo. Fechando... treze com quarenta. Obrigado.
-Obrigado. - Com um franco sorriso de satisfação deixou o estabelecimento enquanto tentava disfarçar o hálido de comida com halls.
"Obrigado. Obrigado", sua mente riu sozinho por um tempo pensando no final daquela simples conversa. Ambos agradeceram, e pelo rosto que vira, ambos realmente agradeceram. Isso sim era um bom negócio, era bom para ambas as partes, um estava satisfeito e de acordo com o preço da comida, enquanto o outro estava feliz de ter satisfeito seu cliente sem qualquer problema e recebendo seu dinheiro com tranquilidade sem nenhuma encheção de saco.
Se encontrou Bob na praça muito por acaso. Perguntou como ia a vida, o trabalho, namorada e a família em geral, tudo muito bem, nada de alarmante e as coisas iam bem de verdade, ele agora trabalhava como segurança numa boate conhecida de uma cidade próxima. Na realidade era segurança, apenas um negrão gordo e alto com uma cara de mau que caia bem com o terno preto da empresa. Fazia esse serviço para quem a empresa contratasse o serviço, agora que estava pela boate e conseguiria entrada livre para ele e quem o acompanhasse sem qualquer problema, além do que ja havia feito amizades com alguns funcionários e dependendo do dia, poderia conseguir umas cervejas e drinks por preço de custo.
-Combinado! Nessa terça dou um pulo por lá pra conhecer, nunca fui na Bazooka.
-To ligado que não é bem o que tu saca, mas é show de bola, pode crer. Tem também um barzinho irado nos fundos, parece até que não faz parte da baia, mas se pá te agrada.
-Só tem um jeito de saber.
-Feito então véio, vou lá que to na correria por causa de documentos do trampo. Falou cara. Se cuida!
-Falou! até lá.
-Pode crê.
Bob não era exatamente o estilo de amigo que lhe gostava em síntese, mas sabia que não era qualquer um. Não era um babaca qualquer, um preto ignorante sem noção de nada, senão que era apenas um rapaz com um estilo e gosto terríveis. No fundo, era também como ele, com seus problemas casuais e cotidianos, a única diferença era a trilha sonora (se é que se pode chamar aquelas coisas de música ou mesmo som).
Resolveu falar com Mônica novamente. Queria dormir com ela essa noite, se sentia como uma criança só. Esqueceram de mim. Mais ou menos isso, apenas sem os ladrões, ao menos, até agora.

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