Ele não era um bêbado, nem vivia drogado. Tratava-se de um cara normal, dentista, com mulher e pensando em ter filhos. Seus trinta e poucos anos chegavam aos olhos de algumas pacientes como se fosse vinte e oito e aos olhos de sua mulher como um problema de ciume constante.
Passava o dia na clinica e chegava em casa normalmente tarde, por volta das oito, a mulher o recebia com aquele beijo de comida quase pronta, ele a olhava todos os dias e quieto pensava o quando precisava dela. Na realidade gostava de se cuidar só para provocar ciumes. Também acontecia com ele quando ela ia pra faculdade de vestido, mesmo que comportado ele tinha certeza de que seus alunos a olhavam de forma diferente.
- Já fui aluno e lembro bem o que passava por nossas cabeças com uma professora assim.
- Tu sabe que sou só tua, bobo. - Tapa na bunda dele.
- Eu sei. Bom trabalho.
Cada um no seu rumo diário, e eventualmente alguns almoços juntos. Era certo que no minimo um almoço na semana, e aquelas jantinhas fora de casa com cinema ou qualquer coisa que se possa fazer juntos.
A coisa toda só mudou depois de umas altas e baixas de verão, quando ela ficou gripada. Era febre, e tosse. Foi tratado como gripe durante alguns dias. Ela dizia que melhoraria, ele se irritava por ela não querer ir no medico, mas respeitou sua decisão.
Foi quando ela tossiu sangue que finalmente descobriram no hospital que se tratava de uma meningite tuberculosa. A pergunta do è grave foi respondida deixando claro que foi um erro deixar passar tanto tempo para ir ao médico.
Foram vários meses de tratamento com uma média de quatro drogas diárias. Dinheiro não era problema e o tratamento seguiu até que ela deixou de tomar os remédios por conta. Sentia-se bem a algum tempo e não via por que seguir tomando tanto remédio, principalmente pelo nojo que tinha dos comprimidos. Todos os dias lhe cansava e se sentia velha.
Passado alguns meses ela retorna com mesmo problema. Meningite tuberculosa. Ela não havia se curado e as bactérias desenvolveram resistência aos medicamentos. Ele a acompanhou no hospital todos os dias durante o tempo que pode. Tinha ciumes quando vinham enfermeiros atende-la, mesmo que não fosse o mesmo fetiche masculino.
Depois, em estado final ele deixou o trabalho e passava ao lado dela, lia, conversava, atualizava o face. Assim permaneceu, até o fim. Ele com seus trinta e tantos vendo sua jovem mulher morrer no hospital. Foi forte, ele fora mulherengo quando jovem mas depois dela as coisas haviam mudado. A família ajudou no que pode durante o processo, os pais de cada um visitavam, os dela, principalmente, mas quem nunca saia do quarto era ele. Chegou a brincar de pedir um pinico pra não precisar nem defecar fora do quarto.
Ela faleceu e a casa ficou cheia de memórias. Ele largou o emprego e foi pro bar.
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- Boa tarde, em que posso ajudar?
- Uma última cerveja por favor.
- Temos uma artesanal chamada República, muito boa.
- Pode ser.
Ele estranhou o pedido, levou a caneca loira com dois dedos de espuma. O homem fumava um Camel sem parar, mas bebia com calma, realmente parecia apreciar a cerveja. Não pediu a conta, deixou dinheiro em cima da mesa e se foi. Ele correu para mesa para garantir que não foram roubados mas a nota de cinquenta acalmou de imediato.
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Ele se surpreendeu quando um colega o chamou para ver a noticia no jornal. Reconheceu o a foto do homem que havia pedido cerveja no dia anterior. Cometera suicídio em casa usando uma 35. Típica notícia, os vizinhos ouviram um único disparo e chamaram a polícia que perceberam o corpo no chão da sala olhando pela janela, uma carta foi deixada para a família e nenhuma outra informação fora revelada, apenas seu nome: Ricardo Brandão de Moura
Sempre fora cético em relação a suicídios, pra ele era uma forma de chamar a atenção.
- Pelo menos esse conseguiu, nada pior que um merda tentar se suicidar e falhar nisso.
Os colegas não sabiam o que dizer e ele continuou.
- Claro, a ultima cerveja.
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