quarta-feira, março 19

Subindo...

Levantou descruzado suas pernas sem usar as mãos, de cigarro na boca e mochilas em mãos. Viu o primo de longe começando a atravessar a rua e foi em direção a ele.
-E ai primo!

-Hola, que tal?
Saudaram-se como se fizessem anos que não se viam e logo teve um breve relatório do que acontecera. O primo maluco havia se metido em confusão na noite anterior numa boate. Dera uns murros num cara até o segurança tirar ele pra fora, e num instante que foi pego, o mal perdedor que apagou dele voltou para atacá-lo de costas. Covarde. Agora o resultado era uma breve dor de cabeça e alguma dor no pescoço. Não haviam marcas claras, senão apenas uma cara de cansado, ou de bêbado sem cachaça.
Caminharam até a sombra de uma árvore logo perto da esquina e esperaram a mãe do primo chegar, ela receberia uns papeis para finalizar os últimos negócios para a matrícula dele na universidade.
Assim que chegou deu o esperado. Ela incomodou-o suficiente que uma mãe normal faria até convencê-los a serem levados para casa para saudar os avós dele e se despedir do pessoal antes de irem para as montanhas. Lá foram.
Um oi pra todos e logo viu que o tempo passava. Já eram as seis da tarde e eles estavam ainda dentro da cidade, dentro de casa, dentro dos quartos e cômodos da casa conversando e tentando se agilizar. Não deu muito resultado, mas conseguiram uma lanterna que certamente seria útil.
Pois bem, depois de não comerem, de mentirem que ambos haviam comido algo, foram para o carro para serem levados até as montanhas. Andaram mais de meia hora de carro até adentrar bem as montanhas, numa parte já alta e mais fresca da região. Desceram do carro e uma espécie de furgão, um pouco mais moderno, estacionou próximo à brita ao lado do rio (Rio Claro). Eles precisavam comprar alguma coisinha pra comer agora e na tenda que tinha logo ali (no meio do nada) não havia ninguém morando, ao perguntar para o motorista do furgão uma surpresa.
"Calma, calma, no hablo mucho español."
Aproximou-se.
"Inglish?"
"Yes, and france."
"humm... usted, digo, you know if there is some kind of market?" Apontando para a estrada de onde veio o furgão.
"What?"
"To that way, there is any place where we can buy food or something?"
Sentia que seu inglês não era tão fluente como uma vez fora. Estava pensando em espanhol, falando em inglês. Seus miolos estavam fervendo por tão pouco diálogo. Estava destreinado.
"I dont know, Iam not from here."
Ele entendeu que ele não entendeu bem a pergunta, queria saber se tinha alguma barraquinha de vendas, um quiosque, algo do gênero, não um market, um mercado em si. Viu que a coisa não ia render muito e queria subir logo as montanhas. Sua curiosidade e ansiedade por elas eram muito maiores do que as de conhecer a família francesa que estava naquele monstro de carro. Despediu-se e foram de carro na direção de onde veio o furgão. Resolveram andar um pouco. Em instantes já estavam de volta com alguns salgadinhos, bebida e uns pães caseiros.
Deram tchau para todos que estavam no carro e foram subindo a montanha.
No instante que viu o carro indo embora seu corpo recebeu uma injeção de adrenalina, e sentia-se revigorado, pronto para kilometros de estrada e muito suor pela frente.
Justamente isso encontrou. Logo a diante tinham de subir pela costa um tanto íngreme de uma primeira montanha. Cada um levava uma mochila. A do primo era maior, por isso ele ficou encarregado de levar a barraca. Pronto, estavam subindo e já sentia uma satisfação gigantesca no peito, já inalava os ares das montanhas estufando o peito e como se os tragasse, ficava uns segundos sem respirar para aproveitar o efeito que aquele ar lhe provocava. Subiram a primeira montanha com certa facilidade até que chegaram numa parte mais plana.
Logo ao olhar pra frente se depararam com uma espécie de represa em miniatura, ou em miniatura comparado a idéia de represa que ele tinha na cabeça.
Bom, logo o primo explicou. Era uma antiga represa para represar as águas que vinham das cordilheiras quando chovia muito por aquelas bandas. Agora estava desativada e tinha um fluxo continuo de água.
Era um caminho de mais ou menos três metros de largura que se prolongava contornando a montanha ao seu lado esquerdo. Logo ao lado do caminho, a parte da barragem, com uns dois metros de altura e três de largura havia uma parte feita de cimento e pedras de rio que era uma vala. Eles estavam na altura da boca dessa grande vala e caminhavam em direção as montanhas mais ao fundo com as mochilas.
A poeira subia com seus paços firmes na terra árida e prosseguiam. Não demorou viram almas vivas por ali. Uns amigos com sarrafos para pescar andavam na direção contraria a deles, e logo lembraram.
"Esquecemos as coisas pra pescar."
"Que se foda."
Teve uma breve lembrança de uma vez que pescara... nunca foi de peixes, de mares, ou mesmo de água. Confessava que adorava nadar, mesmo não sabendo praticar essa atividade muito bem, se esforçava sempre que tinha a oportunidade para satisfazer seu corpo.
Como leu num livro sobre um lobo a pouco tempo...
"A maioria dos homens não quer nadar antes que o possa fazer."
Ele gostava das coisas que não podia fazer e adorava a idéia de fazer todas que ainda não aprendera a fazer. Pode-se chamar de burro, ou ousado. Ainda arrisco. Cego.
Bom, sem vara de pesca e com mochilas no lombo prosseguiam rumo a dentro das montanhas. Observava cada canto, cuidava dos mini lagardos que via passar pelos cantos. As arvores eram grandes por ali no seu lado direito, estavam numa parte relativamente plana das montanhas onde a vegetação não era tão escassa, via arvores grandes ao seu lado com poderosas sombras e algumas pedras em meio a um centro mais desmatado onde pelas latas de cerveja atiradas nos cantos se via os restos de algum resto de animal imbecil que passou por ali algum tempo atrás. Ficava brabo de ver esse tipo de restos. Latas que eram verdes já estavam rosadas e nem perto de decomporem-se... pensou na maneira de se estimar o tempo de decomposição dos materiais e pensou: "isso fica pra depois, por hora vamos nos focalizar com a redenção da paisagem..." e focalizando os morros altos ao longe que produziam um firmamento extremamente alto onde sua imaginação o colocava no topo das montanhas, como num filme, de braços abertos poderia gritar:}
"Iam the king of the world!"
Obviamente não falava sobre o rei que nascia em sua cabeça, mas pensava em todas as possibilidades das montanhas, na maneira que a fauna e a flora se encaixavam e permitiam que tudo vivesse ali... pensou em não voltar mais, em se perder do primo de propósito e com o que tinha de imaginação descobrir o que comer e quem sabe, excluir-se por completo do mundo que o fazia pensar dias a fio sem conseguir chegar perto de uma resolução, perto de uma resposta simples, perto de uma meta em defesa de algo que julgava maior... ele queria fugir. Sentiu isso, descobriu suas intenções. Não vai fugir. NUNCA! bradou internamente enquanto caminhavam, e por dentro chegou a rir... pensava simplesmente que os pés se colocariam um atrás do outro, e assim seguiria a corrente. Subiria a desejada montanha.
Caminharam por mais de horas contornando a montanha e adentrando cada vez mais nas montanhas que se erguiam soberanas sobre suas cabeças. A paisagem não mudou, exceto pela altura. Notava-se agora uma enorme queda para a direita e uma morte certa caso alguém caísse. No chão viram marcas claras de que algum carro havia passado por ali recentemente. A estrada cabia perfeitamente para um carro passar, entre a mini represa que havia ao lado esquerdo e a queda-quase-livre da direita.
Uma poeira se levantava mais longe na estrada onde a montanha fazia uma curva, não demorou e viram uma caminhonete vindo na direção deles em velocidade relativamente alta em relação as condições do terreno. Diminuiu um pouco e ambos se distanciaram, ele foi para a direita enfrentar o medo da queda e o primo para a esquerda, tranqüilo com a montanha ao seu lado. O carro passou e eles acenaram para o motorista e seu acompanhante. Se tratava de trabalhadores, provavelmente da empresa estatal do país de mineração ou algo do gênero. Ignoraram e foram em frente pela estrada.
A barraca fazia algum peso carregando na mão. Resolveu usar a cabeça. Colocou-a sobre a mochila nas contas e a apoiou com a cabeça, com as alças dela apoiou na testa e pronto, estava revigorado de novo, o peso era menor quando carregado próximo ao tronco. Sentiu outra injeção de adrenalina nas veias e seu coração pulsou mais forte assim que viu uma espécie de caverna logo a frente. Estava como uma criança, louco para ir por dentro do túnel. Desacelerou sua batida ao ver mais trabalhadores ao redor da caverna. Não teria problema, provavelmente passariam por ali dando um oi e deu... Chegaram na boca caverna. O sol estava ficando escasso e a caverna parecia amedrontadora. Teriam de passar ou por dentro dela para chegar ao outro lado ou passar pela costa íngreme para prosseguir.
"Vamos por dentro! ihul!" lançou-se em direção a caverna e logo o primo parou. Olhou para trás e se deparou com uma cena que não esperava. Um magrela auto abraçando-se com medo da caverna repetindo.
"NO! hay murcielagos! hay murcielagos!"
Pensou um pouco...
"murcielagos... murcielagos... morcegos!"
Internamente teve que dar uma pausa para rir do primo. Não esperava que o magrão que conhecia tão bem tivesse medo de morcegos, não que fosse medo, era pavor, ele viu nos olhos arregalados dele as suplicas para não entrarem. Por um instante tentou insistir mas deixou-se levar pelo primo que insistia que haviam morcegos ali dentro. Antes de sair da boca do túnel escuro algo saiu voando e ele via as asas perfeitas de um pássaro da região que já vira voar por ai durante a caminhada, mas o primo insistia.
"Ellos provacan rabia! No, vuelve! no entre ahí! Ya listo, vamos por fuera, anda, sale!"
Bom... ele não se importava com a raiva, e também tinha medo de descobrir algum bicho maldito logo ali no túnel, logo no começo das montanhas, mas tudo bem, se por infortúnio o primo estivesse certo, talvez um arranhão dos supostos morcegos fizessem a viajem acabar num hospital. Foi com ele, o projeto de advogado ganhou a causa. Fizeram a volta e começaram a ir pela costa do túnel. Era íngreme e com as mochilas a coisa ficava pior. Até pararam para tirar água do joelho naquelas alturas. Era linda, e não se pode comentar o fato sem descrever a maravilhosa sensação que lhe envolveu ao ver sua urina escorrer penhasco abaixo, com uma natureza incrivelmente maravilhosa ao seu redor e a brisa fazendo seu cabelos balançarem um pouco... era a sensação de estar livre de tudo, a sensação de se encaixar na natureza.
"Hola!"
Logo um trabalhador se aproximou e cumprimentou-os. Avisou que por fora era complicado de ir a pé e manter um nível mínimo de segurança, sugeriu que fossem pelo túnel. Era só alegria. Sentiu o coração faceiro com a notícia e por dentro dizia pra si mesmo.
"JAIRA!"
Estavam voltando pela costa para entrar no túnel. O primo teve de sacar a lanterna como ultima arma contra seu medo. Nela se agarrou feito uma criancinha que agarra a perna da mãe quando está com medo e seguiu em frente com passos receosos. Ele andou mais na frente sem nada, sorrindo e feliz com a mini aventura de entrar em um lugar tão absurdamente escuro mesmo com alguma luz do dia. Era úmido e ouvia-se alguma coisa no teto, teto que o tempo todo era iluminado pela lanterna do primo que com uma cara de pavor caminhava mais rápido agora que entrou na mini caverna. Ele bradava palavras de emoção enquanto caminhava pelo terreno quebradiço daquele estranho lugar. Estavam no meio e ainda faltava algo para caminhar, não se via a luz do outro lado como nos filmes, e ao olhar para trás, também não se via a luz da entrada, o primo estava ofegante e caminhava cada vez mais depressa até que viram um resquício de luz. Ele fez um "aahhhhh" de desanimo interno porque queria ver mais daquilo, mas prosseguiu fitando as paredes ao redor e reparando na arquitetura marcada por escovadeiras humanas, eram pedras caindo pelos lados e no fim, saia numa parte mais lodosa, afinal ali era onde a água ficava quando descia as colinas ao seu lado, não é de se estranhar que seja tão úmido e lamacento. Pois bem, nos passos finais o primo deu uma corridinha como que correndo do bicho-papão ou do monstro do armário. Saíram e viram que seguir significaria acabar com os tênis e calças na lama. Ao seu lado direito, acima de uma parede de dois metros ficava novamente a parte mais plana por onde caminhavam antes.
"Vamos subir!"
Atiraram as mochilas e ele subiu primeiro, tinha mais base, seria mais fácil puxar o primo. Subiu quase sem dificuldade ajudado pelo primo fazendo apoio em baixo e logo estavam os dois se armando com as mochilas logo acima. Seguiram caminhada e não demorou muito encontraram mais um mini penhasco e viram o rio ao seu lado direito. Imagens imaginadas inundaram sua cabeça pensando porque as comportas eram necessárias a anos atrás. O riu ia ficar imenso em uma chuva forte, as corredeiras devastariam não só as arvores e as tocas de tudo o que vive a ribeirinha, mas também as casinhas e a ponte que vira logo antes de começar a subir as montanhas, as coisas ficariam feias e as famílias correriam desesperadas contra a força da natureza. Pois bem, arrumaram um jeito de pará-la. As milagrosas comportas.
Seguiram viajem e chegaram a maior comporta, que infelizmente não satisfez sua imaginação. Era menor que o esperado e podia ser operada manualmente, significava que haviam varias roldanas por ela para subir e desses a chapa de metal que limitaria a correnteza. Era amarelada e alguns tons de azul e laranja em algumas partes, As correntes e a chapa já estava enferrujadas, mas as roldanas por segurança estava com enormes cadeados para que nenhum intruso alterasse o nível que havia sido estabelecido pelos últimos operadores. Viram as pedras do rio imensas atrás da comporta e notou que se podia caminhar por lá. A noite já estava caindo e eles ainda não começaram a subir a primeira montanha maior. Queria apressar-se, mas estava emocionado com as comportas. O primo sugeriu ficar ali mesmo, armar a barraca na parte de concreto plana da comporta e seguir viajem ao amanhecer. Ele não queria, de maneira nenhuma.
A parte mais alta da comporta estava com uma escada aberta para o lado, ele fitou-a e num estalar de dedos entendeu o que significava. Fez um pouco de força para levantá-la e encaixou no pino a direita para que ela ficasse trancando a passagem, mas servindo de escada para a parte de cima da comporta. Começou a subir e viu muitos, muitos mosquitos em cima. Desceu já com a resposta na cabeça. Muniu-se de axe e um isqueiro e ao retornar para cima da escada aniquilou-os todos, deixando vários tostados no chão e alguns agonizando sem suas asas. Subiu ele e o primo e admiraram a vista ali de cima. Que lindo ver o rio adiante, calmo, na serenidade do cair do sol refletindo a lua em sua película de água plácida. Mirou as montanhas e notava o vento que devagar fazia todas as arvores gingar num mesmo ritmo leve e sereno como se tudo estivesse dizendo: "acalmem-se, o mundo nunca acabará". Ele sempre pensou que não, mas vendo aquilo, tinha a certeza mais certa de todo o mundo, sentia que aquilo era viver, aquilo, sentir na pele, ver com seus olhos, sentir o som do vento, sentir o cheiro das colinas, do rio, aquilo sim era viver de verdade.
Desceram dali e logo decidiram. Se encontrassem uma trilha do outro lado da comporta, seguiriam. Ele estava certo de ter notado uma trilha lá de cima, não tinha como errar. Se latas de cerveja foram vistas logo na entrada da comporta, não havia porque pararem ali. Estavam no outro lado e com alguns saltos ele disse a má notícia ao primo.
"Achei! Achei uma trilha! Hahá! te fudeu, vamos subir!"
Em galopes ficou mais alguns metros mais acima e viu seu primo de cima com uma cara não muito feliz de ver aquela trilha. Ele sabia, havia uma trilha ali, mas esperava que com a noite, ele não fosse capaz de encontrar.
Um mini riacho corria logo ao lado da entrada da trilha, era feito de concreto moldado como se fosse uma calha, provavelmente para fazer alguma parte da água que escoria descer atrás da comporta. Ignoraram a água e foram subindo...

Um comentário:

Anônimo disse...

"Os vagabundos Iluminados"

Se tu não leu, te empresto!