Entre umas fungadas e outras conforme esse resfriado deixava, eu fui conversando sobre as comidas da cozinha. A verdade eu não poderia dizer, mas tão pouco queria mentir sobre o que perguntava. A tia da cozinha estava surpreendida e intimada pelo fato de termos cozinhado, enquanto eu retirava os podes dos restos de ontem da geladeira, ela observava atentamente buscando saber o que era cada um deles. Perguntou como fizemos e se havíamos posto determinados ingredientes, a forma de preparo e tudo, toda a alquimia envolta daquele prato de arroz com ervilhas, massa e aquele molho chop suey com frango.
- Mas afinal, por que vocês começaram a cozinhar sua própria comida? Não gostaram da minha?
- Mira, lo que pasa és que nosotros normalmente não conseguimos comer em casa, é complicado pra nós. Não temos horário e acabamos sempre comendo fora de casa. Terminamos comendo na rua, gastando mais dinheiro, assim podemos fazer nossa comida quando temos tempo, isso se tivermos tempo.
- Ah si, entiendo, claro. Ustedes chiquillos comumiente no alcansavan comer aca y ademas que comen arto... bueno, mejor asi.
- Si, de verdad, mejor. Quedamos mas tranquillos. Por ejemplo ahora, yo tengo tiempo, pero Juan se fue hace hora.
O jardineiro estava junto à mesa, comendo a massa com alguma espécie de molho branco que a nana havia feito. Meu prato perto do dele era extraordinariamente grande. Seu prato era basicamente aquela pouca massa com molho. Eu ri pensando que poderia ser eu comendo aquela massa caso nós não tivéssemos negociado com a tia da casa. Não lembro do nome dele, mas era um cara simples, as mãos que tocavam o talher mostravam claramente o que era trabalhar com as mãos, coisa que aos poucos tenho aprendido. Aquela coisa bem poética e dolorida. Calos, mãos duras e pele ressecada, marcada com arranhões e cicatrizes.
De uma maneira fácil, o tema de culinário veio a mesa junto com meu prato e minha fome. Contei a eles que a tradição que dizíamos italiana era ter sempre mais de um prato principal a mesa. Prato principal, para eles, seria algo como arroz à primavera, por exemplo. Aqui o costume é comer massa com molho, só. Ou uma carne com molho no arroz, ou só a massa, ou só uma salada com uma salsicha, enfim. Os pratos aqui são bastante pequenos. A variedade de comidas é quase inexistente quando se faz uma refeição normal. Sempre se é servido e entregue o prato. As panelas sempre ficam no fogão e jamais se verá uma panela na mesa, questão de cultura. Contei-lhes a diferença de cada um se servir e colocar na mesa todas as panelas possíveis, assim como diversas saladas e comidas. A ideia lhes pareceu boa mas logo se partiu para o preço das coisas.
-Sim, aqui é muito caro comer fora. Principalmente nessa altura - referia-se ao setor/bairro/província
-É, tenho visto nos últimos dias...
-Em Santiago em geral, é muito caro, é difícil encontrar um restaurante que não seja, a maioria não tem moscas.
-Como assim?
-Que não é que não seja limpo os outros, mas quando um restaurante não tem moscas, é porque o restaurante é tão caro que nem as moscas entram.
Eu ainda estava comendo, e já tendo um olhar bastante crítico sobre a limpeza dos lugares, fiquei na dúvida se era uma piada ou se talvez fosse real. Afinal de contas, um restaurante mesmo caro, provavelmente é sujo de qualquer forma, assim como qualquer outro restaurante. Minha dúvida o fez praticamente repetir a piada com outras palavras, e mesmo assim eu não consegui rir, imaginei aquelas moscas chegando na frente do restaurante e vendo o preço no cardápio exposto a frente da porta. Conversariam entre si e tomaram o rumo de qualquer lugar mais barato para incomodar os clientes mas a risada não saía.
A verdade é que fui em restaurantes baratos e não havia moscas, talvez as moscas sejam muito exigentes ou esses lugares de que ele fala sejam realmente muito sujos.
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