segunda-feira, abril 23

Fumaça Parte 2

Aquela vida que estava levando como garçom num restaurante bem arrumado de comida caseira o deixou mais ereto. Apesar de sempre sair para dar umas tragadas precisamente as duas horas, ele gostava de ficar no trabalho, tinha um relacionamento bom com os clientes. Alguns visivelmente não gostavam do seu jeito meio duro de falar, talvez grosso. Era bastante objetivo e sem delongas o que as vezes era visto como arrogância. Se alguém por acaso fosse avisado, ou desse mais uma chance, veria que era o jeito de ser. objetivo, claro talvez simplesmente sincero.
Existiam alguns caras que seguidamente lhe pediam fogo na hora que saíam do restaurante, ali no deck de entrada onde algumas mesas pequenas de madeira ficavam. Eram cadeiras daquelas de dobrar que estavam na moda, combinavam com tudo, praia, decks bem decorados com cores vivas e também qualquer lugarzinho que servisse cerveja, mesmo que esse não fosse o caso, aquelas mesas ficavam bem bacanas olhando de longe. O toldo branco com o emblema de uma âncora por baixo do nome ficava muito bom para um deck. Pedrito Duomo já era seu habitat, faz anos que não sabe o que é trabalhar somente em dia de semana. Seu descanso era na segunda. Estava bem com isso, sempre tinha tudo a seu dispor e se sentia toda segunda-feira de férias.

Saía sempre as duas para fumar um cigarro na porta dos fundos da cosinha, que dava para a rua de trás da quadra. Escorava-se na parede e acendia seu cigarro, atirava o palito sempre tentando acertar o lixo uns três metros de distância e sempre errava.
O cara novo lhe parecia drogado, tremia como um cusco renguiado numa noite de julho. Por mais que colocasse cada um em certos perfis, normalmente não ia de mal com ninguém, a não ser que lhe comprassem a briga de imediato. Com Gabriel não foi diferente, mesmo desconfiado ele acendia o cigarro do colega, que trêmulo ficava largando cinzas antes do tempo. O cara era estranho, meio feio, mais alto e magro que ele. Fazia uma semana que estava trabalhando junto e de alguma forma puxou assunto.
- O que tu acha da polícia?
- Oi? Como assim?
Soltavam a fumaça como reticiências.
- Sei lá, dos porco, dus hômi. O que tu acha?
- Bah cara, eu não tenho assim nenhuma idéia muito formada, mas custo a acreditar que sejam todos assim, porcos. É foda isso.
- É... mas não. São todos porcos. Abusam do poder de suas credenciais e a gente apanha por nada.
- Como assim? O que houve?
Ele largava a cinzas perto da parede, onde sabia que seria limpo ao final do expediente.
- Ah cara, nem te falo. Moro lá pra perto da freeway, é umas quadras do início da vila ta ligado? É todo dia os porcos chegam e cagam a pau uma negada, se acharem que tem algo errado, só pensarem que tem, já descontam nos neguinhos que acharem.
- Ah mas isso talvez...
- Não véio! É assim mesmo, to te falando, apanhei denovo desses merda.
Tragava em silêncio esperando o garoto desabafar.
- Eu to de saco cheio com tudo isso. Essa bosta de ficar sempre correndo atrás de grana, o cara faz bico, troca de emprego, nunca da certo nada.
- É, não é fácil... - Responde complacente.
- Pensei bastante e depois que ví o poder desses caras, quero ele pra mim cara. To falando, vou entrar para o lado deles e explodi-los por dentro!
- Heheheh, é, parece mais fácil assim do que tentar revitar na nossa posição né? - Tornava a tragar as últimas linhas do Marlboro.
- Sim véio, tem uns concurso meio foda pra entrar, mas acho que consigo. Me garanto na corrida, ta ligado? - Ele fez uma careta dobrando um pouco o pescoço tentando piscar, mas era mais uma torção facial que qualquer piscada.
- Hehehhe tô ligado... - Não fazia ideia do que estava afirmando.

O chefe da cosinha vinha meio rápido com uma cara de brabo.

- Chegou de brincadeira aí? Tem muita mesa pra arrumar porra, vamo lá.
- Feito.

O garoto atirou a bituca a meio metro do lixo e foi pra dentro mais depressa que pode num nível antes do da corrida. Ele se virava para entrar pelo arco da porta quando chefe comentou ainda de boca fechada.

- Fica de olho nele, qualquer coisa me avisa.
- Aha.

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Por alguma razão ele achava mais interessante usar palitos de fósforo do que isqueiros, mesmo aqueles bonitos, os palitos de fósforo eram mais a cara dele, cabeça quente e corpo sem graça.
Depois das primeiras provas, depois de uns meses de estudo e de alguma dedicação, ele acabou logrando de passar e entrar para a polícia. Não foi difícil, quer dizer, existia uma série de decorebas que ele nunca gostou de praticar mas eram necessárias para o cargo, também seu fôlego era no limite necessário para as provas físicas, o circuito e a corrida. Pensava consigo que jamais iria precisar sair correndo dessa forma enquanto estivesse armado.

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