quinta-feira, novembro 20

Olá

-Óhhh!
-Ôuhhh!
Foi só mais uma entrada no apartamento, mas eu me diverti muito com aquilo ali. Eram praticamente vogais atiradas no ar e esticadas com usando o h apenas pra não ficarem muito simples. Uma saudação acompanhada, ou não, com um movimento sublime de cabeça e tronco que levemente se inclinam como os orientais devem fazer.
Bonito ver um par de velhos se saudando na rua, um passa rapidamente pelo outro, as vezes, para um, é uma surpresa.
-Opa!
-Êêhh!
Nada de especial, apenas aquele leve sorriso, uma saudação rápida e cada um segue sua vida. Cada um só avisa que ainda está vivo, como os animais, um pequeno rosnado, rugido ou seja lá o que for, qualquer tipo de som. É como se a praticidade de ser homem (e eu não me refiro somente ao pinto) fosse sempre exaltada, nada além do necessário. Se uma vogal basta. Seja uma vogal.
Legal é ver as mulheres se comprimentando. Sempre tem uma pergunta ou afirmação, nunca passe só com um som qualquer como os homens... tem uma tia aqui no primeiro andar, o primeiro andar é como a primeira fila de um estádio de futebol, se vê todo mundo de perto e inclusive se pode opinar muito mais contra ou a favor as ações do técnico.
-Oi vizinha! Tudo bom?
-Oi re! Tudo bem?
Olha que tri, elas nem se respondem, é meio que uma pergunta por cima da outra e passa reto pela resposta. Afinal de contas, a resposta nem é tão interessante, negócio é que essas saudações são como uma pergunta subliminar...
-Oi! Como vai?
traduzindo: "Vem cá, tem alguma novidade?", ou em termos mais chulos e crus: "se tu souber de uma fofoca nova, me conta!"
Divertido mesmo é quando param ali na Rejane e contam tudo. O primeiro andar ecoa por todos os apartamentos como a redação de um noticiário trabalhando ao vivo em primeira mão pra todo mundo.
Estava caminhando em direção a parada de ônibus numa dessas últimas vezes que fui ao trabalho e vi uma senhora saindo do mercado com sacolas de compras bastante cheias. Chegando perto da parada um mulher do segundo andar de uma casa do outro lado da rua gritou:
-Como vai cúmadre!!!?
-Oii!!! Vou indo pra casa!!!
-Mas pra que essa pressa, entra que já te sirvo um chima!!!
-Eu não sei! Acho que era melhor ir andando!!
-Da um pulo aqui e já te deixo ir embora!!
-Então tá!! To indo!!
Ela cuidou a rua e foi indo pra casa da outra que gritava que ia descendo. Aliás, tudo que elas disseram foi aos berros de um lado da rua ao outro. Elas tinham em torno de cinquenta anos, acredito. Mas daquele jeito, gritando indo tomar chima. Que saudação hein! Fosse um homem teria chingado alguma coisa da mãe ou de futebol, ou se mais velho, comentado alguma coisa em comum com o amigo/conhecido. Em último caso, o velho: "Como vai essa força?"

quarta-feira, novembro 19

Vento

Eu sou o velho nada
isso não muda com tempo
Eu corro até a saída
zunindo sem um corpo

Eu já vi todas as calcinhas
as azuis, as verdes até as dentais
Invadi todos os salões
As vezes passo reto, débil mentais

Eu sou tudo por onde veja
o estrondo do raio
o barulho do que quer que seja
das montanhas eu caio

Eu não vejo nada, não aprecio a luz
Sou o motor dos veleiros
Que os mestres piratas seduz
As sereias nuas nos rochedos
Com seus cachos pendurados na cruz

Eu sou o da mudança, cheiro de esperança
Eu sou o rio invisível, indistinguível
Já vim do norte, vou para o leste
Não me interesse mais aqui
Vou para um lugar que preste

O companheiro dos desertos
Aquele que levanta todos os grãos
Escrevendo de novo, nunca ficando certo
Igual de forte, seja alto ou anão

Preste atenção meu amigo
Eu posso mostrar o caminho
Eu não sou seu inimigo
Siga por ali, acompanhado, sozinho

Eu indico seu caminho
Sinta o nada batendo na cara
Perceba tudo direitinho
Não importa por onde, tudo nunca para

domingo, novembro 16

putaria

-Ei, vocês gostariam de ganhar um presente?
Ele olhou pro cara atrás do balcão e já tachou um carimbaço de marketeiro na testa do gordinho bem vestido que olhava na direção do casal.
-Que foi?
-Ele perguntou se nós queremos ganhar um presente...
-O que?
Ele puxou ela pra junto dele enquanto se dirigiam ao gordinho...
Depois tudo ficou bem claro. Clientes de Visa e Mastercard bastavam apresentar seus cartões ali que ganhavam direto uma revista velha da Época com um furo de fora a fora meio que em cima, acho que pra marcar que era velha e não devia ser posta a venda.
Bom, o negócio era bacana, os bancos estavam fazendo um programa de incentivo a leitura no país. Feita uma lei parece que em 2002 mandando os bancos retornarem 4% do dinheiro que ganham das taxas cobradas sempre em alguma forma de cultura. Logo, em parceria com a prestigiada editora Globo, criaram lá um programa de incentivo a leitura. Você ganha umas quatro revistas por 15 meses de graça. Isso mesmo, assinatura de revista grátis! É uma revista semanal e três mensais! Uma barbada!
Pois bem... ele foi falando, mostrando as revistas que se podia escolher, que ainda concorria a prêmios (aqueles que nunca ouvi dizer que um primo de um amigo de um vizinho de um conhecido meu ganhou, ou seja, nunca ninguém ganhou. nunca... é sempre a mesma coisa...)! Uau! prêmios!
Tem como melhorar? Incrível, ele estava desconfiado, via que estava tudo muito fácil, achou melhor não comentar nada e deixar ela se empolgar com a idéia, já havia escolhido revista pra todos os gostos até que o gordinho soltou os últimos detalhes.
Depois de pegar a caneta, fazer aquelas anotações de vendedor, listar as coisas boas de maneira bem grande, sublinhar várias vezes os números a respeito da escolaridade nacional, circular as opções de revista num encarte... em fim, fez todos os gestos que um bom vendedor faria. Até que finalmente largou a verdade.
-Isso tudo apenas com o custo de entrega de cada uma das revistas. Da um total de 24,90 mensal para entrega de todas as revistas.
Pronto! "O sonho acabou!" Pluft! Já era! Danou-se! Zéfini! Depois de todo aquele sexo oral, tenta preliminar, todo o cuidado com carinhos e palavras bonitas ele me faz isso. Faz uma putaria dessas... que falta de vergonha...
É engraçado que isso seja igual sempre que tem esse tipo de promoções. Curioso não? Devia ser um programa de insentivo a leitura, ao invés de dar tudo de graça, que seja só uma revista mensal, mas de graça, não, tem que pagar uma fortuna pra ter umas revistinhas cheias de propagandas de mais coisas que raramente alguém que está nesse tipo de programa de insentivo a leitura vai conseguir pagar...
Quer ler vai ler bula de remédio pro reumatismo da tua mãe!

sexta-feira, novembro 7

torre de pisa

Pedrinho havia aprontado mais uma... fizera de uma simples meia de seda uma belíssima cobra, assustadora para qualquer mocinha do bairro. No escuro, no frio, entre as moitas do canto do portão quebrado ele espreitava. A linha esticada até o meio da rua enquanto Dona Arlinda vinha toda pomposa do desfile de sete de setembro.
Desfilava pela rua pobre com um vestidinho cafona, mas de qualquer maneira lindo, verde com detalhes feito de rendinhas pré-fabricadas... observava o chão quando notou uma cobra indo sorrateiramente em sua direção. O grito foi alto o suficiente para chegar aos ouvidos do padre que dormia no centro da cidade embaixo de sua árvore favorita. O povo logo chegou pra socorrer a mulher que gritava incessantemente.
-Socorro! Acudam-me! Socorro! Uma cobra enorme!
O barulho seria quase sexual não fosse pelo tom de verdadeiro horror que saia daquela boca feminina num agudo estridente.
Pedrinho correu pra dentro, viu as coisas sujarem pro seu lado, entre a emoção de ter feito a brincadeira direito e o medo de ser pego, saiu em disparada para os fundos. Trepou no mais alto galho do flamboyant e ficou esperando a poeira baixar.
Erra como uma caça as bruxas, sem as bruxas. Pedrinho, o moleque arteiro fora encontrado, sovado com vassoura pela mãe e xingado pelos visinhos indignados e preocupadíssimos com o estado de saúde de Dona Arlinda. Depois da emoção do momento... o castigo. Foi pro canto pensar. Uma cadeira sem escoro nos fundos da casa perto do tanque de lavar e um pequeno varal enjambrado.
"Ai minha bunda... saco isso... eu tinha que ter lembrado de levar a cobra junto comigo... nunca teriam me pego se não fosse a prova do crime....
Nossa foi ótimo ver aquela velha pular de susto! hahahahah...
Será que vou ter que ficar aqui por muito tempo? To começando a ficar com fome...
Saco, eu devia ter feito algo melhor, me escondido melhor, talvez...
Legal, castigo, cantinho pra pensar... pensar o que? Eles nunca falam o que era pra pensar...
Que tédio...
Ahhhhhh saco! Eu vou embora."
-Te senta aí piá! Vou te dar umas chineladas na bunda pra tu aprender a não ser besta e mal educado com os outros... agora te vira pra parede e pensa no que tu fez!
Entre os resmungos pedrinho ficou lá durante mais umas horas...
"Que diabos eu tinha que aprontar também... mas é que deu uma vontade... uma vontade...
será que o pessoal tá jogando bafo na casa do zé de novo?
até que entendeu... se fizer mau alguma brincadeira e for pego, ele vai apanhar e passar algum tempo pensando em como fazer suas coisas melhores. As vezes ele achava que era o diabo que colocava aquelas idéias malucas na cabeça dele, mas ele só queria provar as reações dos outros, testar as coisas. Não que fosse mau, ele apenas não sabia raciocinar e se controlar como os adultos sabiam fazer. Pense bem, quem nunca quis colocar flores nas tomadas de casa?

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Ahhhh o paraíso da cadeia. Estupre todas as criancinhas que vocês quiserem seus padres imbecis... agora vão para o canto pensar. Que tal? Tá, apelei contra a religião, mas que seja. Algo pior que um estupro. Um estupro comunitário. Eleja-se prefeito, roube tudo com obras super faturadas, pronto, um estupro em todos os pagantes de impostos que tiveram sua bundinha arrombada por um prefeito safado.
Roube todo o dinheiro da população, a cada bala comprada, roube um bocadinho, acumule milhões nas ilhas caimã. Agora vá para o canto pensar. Ah, tu não quer? Não tem problema, sempre tem um amigo/juiz que te entende e pode te tirar do cantinho, mas tu ainda vai ter que vestir o chapéu de burro, pode brincar e sorrir a vontade, mas vestindo o chapéu. Viu?
Não seria melhor mandar todo mundo que tenta fazer as coisas na linha pra cadeia? Na cadeia se faz de tudo, quase tantas coisas como aqui fora da cadeia, a diferença é que lá eles são pagos pra pensar. Muita gente nas cadeias, muito dinheiro pra tanta gente ficar pensando, no que fizeram.
Certo que é pra servir como uma forma de tortura, mas nunca é uma tortura quando se está no meio de outras pessoas, sempre existe a possibilidade de novos contatos/amizades... Inclusive, acho que no filme de... de... Ogliver twist! Isso! Um dos seus amigos delinqüentes finalmente é pego e levado para a cadeia. Ele não fica esperneando ele vai feliz dizendo que estava indo para a faculdade. Ainda que seja um clássico da disney, é de se pensar... querendo ou não, se aprende.
Eu queria ir pra cadeia... "Não diga besteira!", me diriam... mas pense um pouco... refeições diárias no horário, algumas tem até academia, serviço telefônico, fora que o teto é de graça. Mesmo dividindo a cela com mais um monte de macacos e baratas, quem se importa? Quando não se tem nada a perder, é o paraíso.
Já pensaram na utilidade, das cadeias?
Certo, com a criatividade das leis atuais só sobraria penas de morte por todos os lados.
Antigamente no olho por olho dente por dente as coisas funcionavam. Tu rouba, te cortam a mão, te roubam uma parte útil do corpo. E agora magrão?
Acontecem injustiças? É claro, mas não vejo justiça nenhuma em deixar todos os de fora pagando pra todos os de dentro. Eles não contribuem pra nada em sua maioria, mesmo nas cadeias com cursos de reabilitação, a quantidade de presos que volta a ter uma vida normal é ridícula. Fora da desconfiança eterna. Afinal, quem pode garantir que alguém, depois de velho, pode mudar? Depois de velho somos pedras, só sabemos fazer o que fizemos até ali.
Todo mundo merece reabilitação?
Não! Porque se todo mundo tivesse, seria muito mais dinheiro dos de fora pra tratar dos de dentro. Que inclusive, roubaram dos de fora. Não está na hora de se ser mais objetivo? As pessoas de dentro das cadeias são necessárias para o sistema global?
Estamos numa era de preocupações sistemáticas e em massa, isso engole todos nós para dentro de problemas nunca antes pensados. Começa no já clássico aquecimento global, depois temos o fato de que a economia pode destruir países. Temos o interesse dos mais fortes que brigam por mais dinheiro para conseguir mais coisas. Isso implica diretamente na corrida da tecnologia. Tudo agora é global. Porque não pensar que os presos podem ser ignorados? Eles perderiam o seu direito de gente quando fossem para a cadeia. Poderiam passar uma semana pra pensar a respeito do que fizeram e tentar fugir. Depois, alguma espécie de morte, ou se poderia aproveitá-los pra fazer lingüiça e vender como alimento para animais. Porque não? Algo forte talvez colocasse uma dúvida antes de muita gente chegar na cadeia. Ah sim, o sistema está errado, não funciona, os caras não tem culpa, tiveram uma vida difícil. Pode até ser, mas... azar do goleiro. Os meios não justificam os fins, nem o inverso. Se as regras se aplicam pra todos dentro do conceito que todos temos os mesmos direitos, eles também não mereceriam pena.
Acho que primeiro temos que afundar com as ações que afundam todos juntos no barco. Cadeias são inúteis atualmente porque todo o resto está uma verdadeira bosta, uma merda, nem isso, algo completamente confuso e sem noção, seria engraçado se não fosse trágico.
Certo, certo, certo... Teríamos de mudar todo o sistema começar do zero já com meio prédio construído igual o estado atual da torre de pisa. Endireitar é complicado, mas continuar construindo torto é pior. Temos a certeza que vai cair quando se constrói torto, tentar deixar reto deixa uma chance de arrumar tudo pra seguir construindo.
Ah, que bosta eu to falando, isso aqui não vai mudar nada, sou somente mais um dos que ainda estão de fora da cadeia e sustenta os de dentro com cada produto que compra. Pena, porque eu preferiria juntar esse dinheiro pra coisas que julgo realmente necessárias.