quinta-feira, março 19

café médio

Eu saí da mesa de trabalho e me encaminhei para a escada que me levaria a máquina de café. No meio da ida, barulhos e resmungos um pouco mais altos que o normal vinham do enorme buraco que existia entre o primeiro e o segundo andar na parte interna do prédio.
Parei por um instante e saquei o celular do bolso, para caso alguém me fitasse lá de baixo, imaginasse que eu estivesse com a atenção presa ao celular, enquanto meus ouvidos se aguçavam para escutar tudo e qualquer ruído que pudesse vir lá de baixo.
Era um homem gordo e de voz rabugenta. De terno. Ele resmungava coisas e junto a outros dois homens, não vestidos com o casaco do terno, resmungavam junto contra um quarto homem que com uma prancheta na mão, anotava coisas.
O gordo resmungava:
“isto não estava de acordo com o projeto!”
“quero que isso seja feito assim, como foi combinado.”
“vamos resolver com meu advogado caso não saia como o planejado!”
Ele subia o tom e diminuía conforme fosse necessário até fazer o homem da prancheta concordar e fazer mais anotações.
Um cliente. Pensei.

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Depois que me desinteressei da conversa deles, segui em direção à máquina de café de graça. Coloquei um copo dos de água, e apertei a opção dois. Café Fraco. Logo em seguida, apertei a opção três. Café Forte. Assim saía de lá com meu café médio num copo um pouco maior que o que se deveria usar e pensando...
“Mas aquele gordo não tinha nada de terno... a não ser o terno!”.

segunda-feira, março 9

O gosto

(de janeiro de 2009)

Novamente o copo estava cheio. Em cima do bidê, a carteira dele, e logo ao lado, os óculos dela. Os velhos óculos dela, de armação pouco rosa, simples. O canto da parede unido a dois travesseiros e uma coberta toda revirada fazia daquele L na parede o trono do rei para ele.
O dia estava mais ameno, a noite era plácida e fresca, algumas poucas gotas de chuva davam o embalo que ela precisava para adormecer no seu colo, entre suas pernas e escorada em seu corpo.
Ele fitava a hélice do ventilador girando devagar. A ordem dos seus pertences em cima do balcão. A televisão ligada no canto oposto a eles. Os detalhes daquele momento foram tatuados em sua mente. Sentir os cabelos lisos e macios em seus dedos, a posição de seu corpo se encaixando perfeitamente com o dele. Suas delicadas mãos, repousando sobre o corpo dele. Cada detalhe lhe fazia sorrir.
Sentiu uma lágrima vindo junto com um bocejo. Pensou consigo mesmo e concluiu sem dificuldades que era felicidade pura transbordando por seus olhos. O filme que passava não interessava-lhe para nada. O que interessava era apenas reparar nos detalhes magníficos que aquele momento lhe dava de bandeja, bem de baixo do seu nariz. Seu sol. Brilhante e belo, o astro que indica o caminho, a luz do fim do túnel, ou mesmo a luz de todas as manhãs.
Renascida, ela olhou para ele com os olhos cansados e sonolentos. Do seu ponto de vista, riu. O rosto dela tinha um ar jovial, como uma criança que era despertada do berço e perguntava com os olhos quem vinha lhe perturbar o sono.
Ele deu mais alguns goles do líquido dourado e beijou-lhe a testa. Ela acordou, ávida e ofereceu a boca.
Aquele beijo simples e sincero cravou em seu peito O gosto pela vida.