segunda-feira, março 18

Esperanças

É acordar cedo, é acordar tarde, sempre o seu desejo
O encontro com os amigos, eternos, velhos
A caminhada noturna, diurna entre gramados verdes
Sempre verdes, os olhos
Os sonhos que devem ficar
A ambição eterna do coração
Mentes que não podem enferrujar
Faça de novo, seis vezes
Joelhos velozes e indolores
A chegada da redenção
Ainda os sorrisos, nos olhos
Chuva pelas juntas
Deveres cumpridos, direitos defendidos
Luta seja pelo justo, o necessário
O motor que ronque seja em v ou boxer
Que o conhecimento se acumule e se espalhe
Entre os filhos, entre os netos, as alegrias
As novas altas
Esperanças

domingo, março 17

Pêssego 1

- Bom dia, o que deseja?

Era ela novamente, Muriel, sentada da mesma forma de sempre, largada e pra variar, lendo. Por alguma razão essa morena baixinha começou a frequentar o lugar, pedia sua bebida, eventualmente uma cerveja e se colocava pra ler. Inclinada pra frente, usando a mesa pra apoiar o livro, como se estudasse ou fosse algo realmente importante e urgente.

- Bah, me trás um suco de laranja.
- Acabou, posso te oferecer de pêssego ou maracujá.
- Não, maracujá não, vou acabar dormindo aqui. - Ele respondeu com um sorriso enquanto ela continuou.
- Então pode ser de pêssego mesmo.
- Beleza.

Serviu o suco numa taça bastante adornada, levou na bandeja e aproximou-se dela.

- Com licença.

Ela já estava lendo, ele repousou a taça sobre a mesa enquanto ela se afastou um pouco do livro e se recostou na cadeira. Ela o fitava, ele não percebeu e ao largar o suco tentou ler algum trecho do tal livro.

- É um romance.
- Como se chama?
- Conde de Monte Cristo, é bem bacana.
- Acho que já vi o filme...
- Ah sim, tem o filme também, dizem que o último é bem bacana.
- Mas eu achei que o livro fosse maior, parece tão fininho. - Era quase uma bíblia.
- É que a história do livro é bem mais longa, nesse caso eu tô no segundo volume, mas são três livros mais ou menos do mesmo tamanho.
- Bah que loucura, to tentando ler umas coisas meio...
- Cezar! - Lhe gritam da cozinha.
- Desculpe, tenho que ir.
- Claro...

Ele logo se manda correndo, bandeja na mão, em direção ao caixa. Mal chegando, o caixa logo lhe diz com uma cara fechada.

- Mesa cinco.
- OK - Nem para, contorna a mesa ao seu lado e se dirige para a cinco. Pediram uma alaminuta especial, volta com o pedido, e como ninguém o chama, se posiciona ao lado da caixa.

- Olha cara, eu sei que é tri tagarelar e tal, mas tu está sozinho hoje e temos algumas mesas, por favor, faça bem teu trabalho.
- Desculpa, mas tu viu?
- Sim sim, eu vi. Ta tri.
- Adorei aquela pele morena.
- Tu não tava namorando?
- Justamente, estava. Faz umas três semanas que terminei.
- Bah, que pena... quer dizer, que pena?
- Não, tava um saco mesmo, a guria era tri, boa de cama e tal, mas não tava rolando. No fim era mais esforço pra ficar com ela que qualquer outra coisa.
- Que merda, mas ah, tu...
- Não, nada, to sereno, as coisas passam, mas sério, aquela morenaça ali me chamou atenção e ainda ta dando trela.
- Sim eu vi que conversaram outro dia, ela apareceu mais vezes, né?
- Aha, perai... - Um cara lhe chama de longe, aquela levantada de mão meio tímida.

O pedido que mais sai nos últimos tempos, a tal Alaminuta Especial. É a típica alaminuta, arroz branco, carne, batata frita, tomate e alface, o especial é um pequeno pedaço de frango uma porção de repolho e finalmente o molho especial do local. Os clientes acabaram gostando do almoço barato e bem produzido terminando por fidelizar um par de empresas das redondezas, conveniente para todos.

- Tem saído bastante essa especial hein.
- Bah, foi uma bela sacada do cozinheiro.

Mal comentava com o caixa e saía o seguinte pedido, olhou por baixo da janela entre a cozinha e o saguão e cumprimentou o cozinheiro.

- Te puxou hein! O pessoal ta adorando.
- Hehhehe, valeu. - Uma saudação de cabeça e cada um seguiu no seu trabalho.

Algumas mesas mais chegaram, pedidos ali, um par de negociantes apenas com café e salgado na hora do almoço e por fim ela terminou de tomar seu suco. Ele a avistou de longe e aproveitou para limpar algumas mesas, chegou finalmente na dela para levar a taça.

- Que tal?
- Muito bom, mas agora deu fome.
- Pois é, estranhei, normalmente tu chega no fim da tarde, ehheheh
- Ah sim, hoje tirei folga quis aproveitar pra me distrair.
- Bom, já é uma hora mas ainda temos almoço, se quiser.
- Claro, pode trazer o menu?

Foi e voltou com o menu em mãos.

- Aqui está.
- Eu sou bem indecisa pra essas coisas, acho que até hoje não tinha comido nada que não fosse um pastel ou picadinho por aqui.
- Tu que sabe, mas te poderia sugerir a Alaminuta Especial, tem saído bastante.
- Não é muito grande?
- Não, tem mais variedades, mas porções menores. Adiciona frango, repolho e um molho especial.
- Parece bom, mas igual deixa eu dar uma lida.

Ele parou ao lado, pronto para o pedido. Ela leu com agilidade, mas a decisão não foi nada rápida. Aqueles trinta segundos passados, talvez um minuto, ele estava se movimentando para deixa-la escolher com calma até que ela fechou a carta.

- Tá certo, vou aceitar. Que seja uma Alaminuta Especial.
- Algo mais para tomar?
- Amm, outro suco.
- Pêssego?
- Pêssego.

Assentiu com a cabeça e saiu. Não demorou estava de volta com o suco.

- Daqui a pouco chega a alaminuta.
- Beleza.

Mal deixou na mesa a taça e ela bebericou do canudinho.

- Bom?
- Sim, muito bom. Adorei o suco... Mas então, tu contava que lia o que?
- Ah sim, eu gosto de ler, mas ultimamente to meio relaxado, leio muito devagar.
- Sim, mas o que tu lê? Revista? Jornal? Antes tu ia dizer que eram coisas meio alguma coisa, fiquei curiosa.
- Ah, ehhehe, sim, amm... eu não deveria dizer isso, mas são contos... né...
- Eróticos. - Ele meio sem jeito, mas ao mesmo tempo tranquilo.
- È.
- Não devia ter contato mesmo, seu pervertido. Isso é coisa pra se dizer num restaurante, e tu ainda trabalhando como garçom? - Ela parecia séria, mas os olhos mostravam um sorriso. Ele tentou começar a falar mas ela lhe interrompeu antes de começar.
- Se tu estava tentando me cantar, sendo mais objetivo, pode crer que não vai rolar dessa forma. Que absurdo, to quase sem fome.
- Er... é, eu não quis, bom pois é, não devia ter contado, em seguida te trago a alaminuta.
- Tô brincando, te peguei hein! - Ela finalmente sorri, e aquele nó da barriga se desfaz aos poucos.
- Uh, bah, é que sei lá, nem te conheço direito.
- É, e já sai contando essas coisas. Sério, seja mais discreto.
- Tudo bem, tenho que ir, em seguida te trago o prato.
- Aha.

Não demorou e o prato já estava na janela de serviço da cozinha. Ele se apurou, pediu-lhe licença e montou a mesa. De longe observava-a comendo, delicada, foi comendo devagar, mastigando bastante, juntando salada com comida, misturando as carnes. O suco foi justo, ao terminar o prato estava quase no fim do suco, ele fez o seu trabalho e aproximou-se para retirar o prato.

- Com licença.
- Claro.

Retirou as coisas da mesa, esperou até ela terminar o suco que estava justamente tomando. Ao terminar indagou.

- Outro?
- Não obrigado, estou satisfeita, estava ótimo. Gostei do molho.
- Ah, o molho, ehhehehe, tem um segredo que o torna delicioso.
- E tu não pode contar, imagino...
- Na verdade não, mas se tu aceitar sair comigo eu posso pensar.
- Que?
- É, poderíamos tomar alguma coisa de noite, que tal? Eu não tenho o turno amanhã, se tu estiver afim... o que tu acha?
- Tu vai contar do tal molho?
- Eu conto, vamos no Mr. Pool, que tal?
- Tá, aceito, que horas tu sai?
- Termino meu turno as cinco, mas poderia ser tipo umas oito, pra dar tempo de fazer uns trâmites que tenho pra fazer no centro, tem problema ou prefere mais cedo?
- Não, tudo bem, pode ser. As oito aqui?
- Beleza, estamos combinados.

Ele levou as coisas da mesa para a cozinha, voltou e a viu pagando a conta no caixa. Aproximou-se.

- Bueno guria, então até amanhã.
- Até, bom trabalho.

Se beijaram no rosto com educação, o caixa ficou de bico e foi obrigado a comentar em seguida.

- Então, trabalhando pouco hein.
- Hehehhe, a gente faz o possível. - Era clara a felicidade naquele sorriso depois da frase, ele tentou esconder mas não se aguentou.