quarta-feira, abril 30

agora entende

Ele abriu a janela para sentir o frescor gelado entrando e passando desde seu quarto até a janela do outro lado do apartamento. Sentia-se perfeitamente feliz apenas lendo, sozinho, no frio. Olhou para o cão e notou uma cara de "quero atenção" naquela fuça, normalmente não o faria, o cão não era dele, foi até divertido correr um pouco com o frio nas canelas junto daquele ser não tão burro assim. Chegaram cansados em casa e ele, antes de voltar para o livro, fez sanduiches para sí mesmo e eu comida para o quadrípede. Pão, corta, mayo, queijo, beijo e presunto. Queijo e beijo. Notou o silêncio que era naquele lugar, poupar energia, ser cuidadoso, manter as coisas em ordem mínima. Se sentia bem com o mínimo de ordem, contudo, sabia que fazia falta o simples barulho que a televisão fazia ligada na sala, sem ninguém olhando. Comeu mais que rapidamente os sanduiches e se arrependeu de não ter te-los transformado em torradas.
Com o cobertor viu filmes que não sabia que existia. Sentiu falta dela. Não, não era mais dela em sí, não era mais um rosto que ele conhecia que lhe fazia falta, era um rosto desconhecido, era uma imagem de algo sem imagem, apenas uma pessoa que lhe faltava, uma amiga maluca, o projeto de garota que talvez ele houvesse montado em sua cabeça.
-É uma pena hein cão, se um dia tu ver ela por ai, segura e me chama. Senão te deixo sozinho tambem por tempo indeterminado.
O cachorro olhou e virou um pouco o pescoço. Ele entendeu de cara o que aquilo significava, era uma resposta clara e objetiva dizendo: "Pode deixar bruxo!".
-O pior não é a solidão, eu gosto dela, não é pelo costume, só sou egoísta o suficiente para gostar de ficar sozinho... agora não assim, tão indeterminadamente. Tu entende né?
Olhou de novo para o lado e o cão praticamente falou que sim, quando soltou ar com mais força pelas narinas.
-Sabia que tu ia entender sua gorda preta!
Afagou a cabeça do cão e fez um bom carinho, daqueles atrás da orelha, como ele sabia que o bicho gostava. Não lavou a loça que sujou nem estendeu a cama, foi ver um filme e levou cobertores. Agora buscava por algo doce para comer quando o telefone soou e instantaneamente o cachorro ficou perto dele claramente pedindo que atendesse e parasse com aquele barulho maldito.
-Alô?
-Oi, o Ruffles?
-Sou eu, quem é?
-Oi Ruffles!!! Tudo? Aqui é a Su, lembra de mim?
-er, em, ahhhhh! é tu Su! Quanto tempo! Tudo bom sim, tudo muito doido.
-Doido? Bom, tu nunca foi muito padrão mesmo, mas e aí, o que vai fazer hoje?
-Perai, perai, te conheço, ao menos conhecia, de onde tirou meu telefone?
-Falei com o Bob e ele me deu o número ué, algum problema?
-não, não, sem problemas. Olha, eu não ia fazer nada agora, na realidade ia achar algum filme pra ver embaixo das cobertas, ehhehe.
-Ah, mas então tu já tinha algo pra fazer... igual, o que tu acha de irmos tomar um vinho ali no Taverna do Dragão?
-Mas bah! Feito, que horas? as oito, pode ser?
-Bom... por mim podia ser mais ou menos agora, to aqui perto num orelhão e já vai acabar o crédito do cartão...
-Ahhhh não, então, tá. Vou por uma roupa e to indo aí.
-Certo! Beijo, até depois.
-Até! Tchau.
Saiu correndo pro quarto e vasculhou tudo. Su tinha um rosto lindo, ele lembrou instantaneamente dos seus deliciosos lábios que uma vez havia provado, fazia questão de ir bem aprumado, uma roupa de domingo ou algo assim. Pos uma das calças que mais gostava e uma camisa normal, uma cor, simples, no tamanho correto, sem apertar ou ficar larga, cobriu isso com um blusão grafite de gola alta que sabia que lhe caia bem. Faceiro, se aprovou no espelho como gostava de fazer e o cão ficou triste quando ouviu a porta bater.
Não se perguntou porque apareceu ali, sem sentido algum, apenas gostou da idéia.
--
-Com licença moça.
-Oi!
Trocaram beijos na face como antigos amigos e deram início ao papo. A coisa foi longe, ela estava sozinha pela cidade, havia conseguido trabalho em florianópolis como modelo, sim, modelo, agora Su estava com a bola toda, era uma garota linda, de rosto angelical perfeito, relativamente alta e esbelta. Lembrou dos amigos dali enquanto visitava os pais e resolveu ir atrás dos mais chegados. Por pura coincidência, encontrou-se com bob e ja arrancou-lhe novas informações, assim chegou até ele e lhe convidou para fugir da rotina de grama alimentar que ela tinha de passar. Comeram um xis cada um, ela de salada, com baccon, só pra não ficar sempre na salada, e ele de coração de galinha. Ela ainda saber comer um xis, não fez muita sujeira e só se sujou com katchup uma vez no rosto, quando ele imediatamente limpou e deixou claro suas sub-intenções em relação a ela.
A vida estava levando os velhos amigos longe, cada um agora fazia algo diferente e não havia sempre uma compania certa para todo o dia. Su agora, orgulhosa, falava ingles. Ele a detonou quando conversou com ela tranquilamente em ingles e ainda arriscou espanhol quando viu que não era correspondido. Ela tinha dinheiro, fez cursinho e levou a sério, sabia muito e tinha uma viajem planejada para o final do ano, ficou espantada ao saber que ele não havia feito curso algum e tinha a carga das viajens para contar. Foi uma garrafa de vinho entre os dois e pra finalizar, uma porção de batatas frita a fez lembrar que agora deveria passar um mês só comento capim.
-São os ossos do ofício.
-Cuida hein, senão ficam só os ossos mesmo!
Uma boa gargalhada foi o que restou antes de um beijo amigo tocar a boca do outro. Ele estava pulando de alegria por dentro enquanto abraçados olhavam aquele filme na casa dele em baixo dos cobertores quentinhos. Não queria sexo, não queria amor, só a compania estava imensamente agradavel e não poderia ter vindo em melhor hora.
Ao final do filme, ela se despediu e disse que amanhã já estava voltando para seu emprego, longe dali, deram um beijo longe e romantico e antes de deixa-la, abraçou-a com força e susurrou no seu ouvido com ternura: "adorei te ver."
Ela entendeu errado e saiu do apartamento com uma idéia de que ele queria mais que nenhum compromisso, pareceu um final com chave de merda para um filme legal. Tudo bem, pensando melhor, ele não devia ter dito nada mesmo, olhando de fora de sua cabeça, aquilo realmente passaria uma idéia errada em relação a real intenção... "Pasciência. Haverão outros filmes." ele queria acreditar nisso, mas era a vontade de ter algo para se preocupar, ter algo garantido todo dia que estava lhe pinicando o estomago.
Deixou o dia passar sem mais atrativos, resolvou começar o trabalho de procurar Fred, fazia tempo que aquelas pequenas visões apareciam na sua cabeça. Escovou os dentes depois de uma massa rápida quando seu nariz voltou a escorrer sangue. Era normal no verão, mas agora estava acontecendo vezes de mais num curto período e tempo. Estancou o sangue, terminou de escovar os dentes e trocou denovo a rolha de papel higienico que havia posto na narina que escoria. Começou a noite com apenas música, enquanto olhava as estrelas deitado em sua cama, desligou tudo que podia para não haver nenhuma luz dentro do quarto e lembrou do imenso lustre estelar que uma vez lhe cobriu o teto negro céu na noite gelada das montanhas aridas. Era isso. Queria agora, alguém que ele pudesse contar para acompanhar em suas aventuras malucas. Torceu e quase inventou um deus para rezar que isso acondecesse. Engraçado que sabia que Su não era alguém para isso, apesar de ter cido uma perfeita compania naquele dia, ela não o acompanharia tão longe... riu sozinho quando pensou que ela entendeu errado, e ele, agora entendia certo. Dormiu sorrindo.

segunda-feira, abril 21

um dia qualquer

Havia saído mais tarde que o inicialmente planejado da casa de Mônica, ela estava agora só, na janela de sua própria casa observando suas costas enquanto ia embora. Ainda gritou:
-Volta hein! To preocupada contigo mocinho!
Num movimento breve, bradou de não muito longe
-Hehh não se preocupe. E voltar, eu sempre volto.
Ela não lhe deu mais respostas porque sabia que ele falava a verdade de seu peito e cabeça, não esperando mais tempo ali, entrou sem mais delongas, ela teria de arrumar a bagunça que os dois fizeram. Pensou consigo, no machismo clássico, rindo e debochando de seus próprios pensamentos: "coisa de mulher!". Não era verdade, ele sabia disso, mas era engraçado que ocorrera justo com Mônica, a mulher com quem podia debater sobre quase absolutamente tudo, inclusive o machismo atual da sociedade moderna. Ela não era feminista, ela gostava de ser bajulada, de não ter que pagar, mas por outros pontos não queria sempre isso, queria uma coisa mais moderada, uma coisa que ele certa vez lhe afirmara ser impossível. Queria igualdade.
Pelas ruas caminhava sozinho com as mãos nos bolsos da calça jeans. Um isqueiro bonito, caro, barato e útil, um punhado de moedas, sua carteira de velho que seu avô havia feito (couro legítimo) e a chave de casa. Vasculhou seus bolsos e ainda encontrou uns papeis amassados, aquele bolo de papel clássico que vira quando se lava uma calça tendo esquecido um pequeno pedaço de papel no bolso, como notas de passagens ou qualquer coisa do gênero. Útil. Por alguma razão ele sabia que o isqueiro poderia saber de algo, poderia indicar, talvez, uma pista pequena que lhe enviasse ao casual Fred novamente.
Sacou o isqueiro do bolso e com habilidade acendeu sua chama amarelada num estalar de metal. Parou por um instante no canto da calçada, na penumbra que as árvores formavam naquele bairro deslocado da cidade sob as luzes amareladas de uns velhos postes e observou o isqueiro.
-Tu estava lá. Tenho certeza...
Era como encarar um livro para tirar seu conteúdo, seu conhecimento e naquele momento, precisamente, sua vivência, por onde passou, o que ocorreu a sua volta. A noite estava caindo de leve e o frio da estação que mais lhe encanta começava a tentar penetrar em sua pele morena. Não se esfriava, ele era quente, o suor poderia escorrer em sua face apenas por um pensamento mais cansativo, logo, vagou tranquilo pela penumbra apenas iluminado pela chama de mais um lucky que inalava o câncer dentro da lei.
--
Buscou aconchego num bom livro de vagabundos quando chegou em casa. Aproveitou que todo o pessoal não se encontrava mais ali e acendeu um cigarro dentro de casa, como sempre fora proibido. As páginas do livro foram passando e passando, os cigarros iam na mesma proporção enquanto sentado na sua poltrona favorita, fitava de vez em vez o céu escuro com seus pontinhos ao longe. Assim poderia, começar uma boa noite de sono, distraindo sua mente com os problemas propostos pelo brilhante livro espontâneo.
-Barba por fazer hein Ruffles.
Alisava sua barba de 3 milímetros com a mão recordando o quão bom era receber esse carinho das mulheres que alguma vez na vida lhe deram o prazer da presença.
Finalizou deixando seu corte 1 milímetro e escovando os dentes. Apagou a luz e se foi para sua querida cama.
O sol já estava ofuscando seus olhos quando o telefone começou a tocar.
-aaarrghh.... saco.
-Triiiiiimmmm!
-Triiiiiimmmm!
-Triiiiiimmmm!
Ignorante a realidade gritava do quarto com a cabeça em baixo do travesseiro.
-Já vou! já vou!
-Triiiiiimmmm!!!!
-Triiiiiimmmm!!!!
-trii.
Ficou aliviado quando o maldito telefone parou de tocar. Deixou pra lá a curiosidade e ainda amaldiçoou o desgraçado que inventou o telefone. Aparelho maldito que fazia as pessoas pulsarem de pressa, de curiosidade. Antes de levantar definitivamente e arrumar seu cabelo em frente ao espelho, foi até a janela da frente e vislumbrou o dia. Não era um lindo bosque, ou mesmo vista para o mar, apenas algumas árvores em meio a uma floresta de prédios das mais diversas espécies e um cheiro agradável a suas narinas. Puxou o ar com força para senti-lo com prazer quando sentiu uma dor no nariz e o sangue jorrou para fora quase como água. Correu imediatamente para o banheiro para tentar estancar a ferida ou seja lá o que fosse. No banheiro sujou tudo que foi possível, encharcou muitos pedaços de papel higiênico até que finalmente parou.
-Que diabos?!
Sem compreender o que acontecia, limpou a sujeira da caminhada entre a janela e o banheiro e tomou um banho para aliviar-se. Arrumou-se ao som de escorpiões, enquanto gritava as suas canções favoritas percebera, finalmente que não estava tão quente assim e o dia merecia uma manga mais longa. Colocou sua camisa preta com pequenos detalhes de camursa vermelho no peito e aprovou-se diante do espelho antes de sair de casa.
O restaurante de comida chinesa lhe agradou, até mesmo comeu vegetais e peixe, coisa rara no seu cotidiano.
-São doze com sessenta.
-Mais este halls. - Deixou uma nota de vinte no balcão junto ao halls preto.
-Certo. Fechando... treze com quarenta. Obrigado.
-Obrigado. - Com um franco sorriso de satisfação deixou o estabelecimento enquanto tentava disfarçar o hálido de comida com halls.
"Obrigado. Obrigado", sua mente riu sozinho por um tempo pensando no final daquela simples conversa. Ambos agradeceram, e pelo rosto que vira, ambos realmente agradeceram. Isso sim era um bom negócio, era bom para ambas as partes, um estava satisfeito e de acordo com o preço da comida, enquanto o outro estava feliz de ter satisfeito seu cliente sem qualquer problema e recebendo seu dinheiro com tranquilidade sem nenhuma encheção de saco.
Se encontrou Bob na praça muito por acaso. Perguntou como ia a vida, o trabalho, namorada e a família em geral, tudo muito bem, nada de alarmante e as coisas iam bem de verdade, ele agora trabalhava como segurança numa boate conhecida de uma cidade próxima. Na realidade era segurança, apenas um negrão gordo e alto com uma cara de mau que caia bem com o terno preto da empresa. Fazia esse serviço para quem a empresa contratasse o serviço, agora que estava pela boate e conseguiria entrada livre para ele e quem o acompanhasse sem qualquer problema, além do que ja havia feito amizades com alguns funcionários e dependendo do dia, poderia conseguir umas cervejas e drinks por preço de custo.
-Combinado! Nessa terça dou um pulo por lá pra conhecer, nunca fui na Bazooka.
-To ligado que não é bem o que tu saca, mas é show de bola, pode crer. Tem também um barzinho irado nos fundos, parece até que não faz parte da baia, mas se pá te agrada.
-Só tem um jeito de saber.
-Feito então véio, vou lá que to na correria por causa de documentos do trampo. Falou cara. Se cuida!
-Falou! até lá.
-Pode crê.
Bob não era exatamente o estilo de amigo que lhe gostava em síntese, mas sabia que não era qualquer um. Não era um babaca qualquer, um preto ignorante sem noção de nada, senão que era apenas um rapaz com um estilo e gosto terríveis. No fundo, era também como ele, com seus problemas casuais e cotidianos, a única diferença era a trilha sonora (se é que se pode chamar aquelas coisas de música ou mesmo som).
Resolveu falar com Mônica novamente. Queria dormir com ela essa noite, se sentia como uma criança só. Esqueceram de mim. Mais ou menos isso, apenas sem os ladrões, ao menos, até agora.

quinta-feira, abril 17

janela aberta

Ele crescera por essas bandas. Suas memórias vinham delas, das árvores, dos vizinhos, dos amigos de tempo de infância feliz e ingênua para todos os problemas que automaticamente se criariam posteriormente. Mais um daqueles dias em que ficava na janela de braços cruzados, observando lá me baixo, o gramado e a sombra dos flamboyants que a essa hora já era feita não pelo sol, mas por lâmpadas amareladas da rua.
O vento bateu sua cara novamente, como ele sempre gostou que fizesse. Tinha um cheiro de grama, de pasto molhado, cheiro de terra mesmo, com seus aromas clássicos desse começo de inverno. O frio tangeu-lhe a memória e relembrou instantaneamente milhões de coisas que haviam ocorrido, milhões de brincadeiras divertidas que teve naquele gramado, com aquele vento, aquele aroma magnífico que o fazia sentir um aperto no peito de saudade dos velhos -nem tão velhos- tempos.
Agora ia se dirigir novamente a sua -com orgulho, depois de tudo- escola do ensino médio. Teria de ver os papeis com a supervisão de estágio ou seja lá como se chame e via as coisas passando. Por um instante pensou que agora sua vida estava realmente mudando. Já havia adquirido experiência em uma boa empresa na área de TI e lembrou de divertidos momentos com os colegas de trabalho. Lembrou do dia que viu a hora no relógio do computador da empresa, satisfeito consigo mesmo de ter terminado seu trabalho, e eram quase três da manhã. Lembrou dos almoços das conversas e piadinhas que se fazia, da gurizada toda que dizia com orgulho:
-Agente ganha pouco! Mas.... putaqueopariu como é pouco!
Lembrou das mulheres, é claro. Lembrava do charme de algumas e de específicos dias que fora elogiado pela morenaça que era uma das secretárias - que T de mulher.
Parou um pouco... Tentou lembrar de seu trabalho, afinal, está em seu currículo, ele deve saber fazer o que diz que sabe fazer. Finalmente lembrou. Foi aí que parou e se deu conta do nada que é trabalhar com essas máquinas. Como se lembra das coisas? Na máquina se escreve, se lê, se forma pensamentos e tudo, mas no final das contas, não tem uma coisa que tange a memória. Não é algo real, não é algo degustativo ou oufativo, os computadores não tem cheiro, nem gosto, dois dos principais gatilhos que sempre lhe ativaram a memória como aquele vento que veio por acaso.
Computadores são nada. Ele trabalhava com nada e era bom nisso, o que se encaixava perfeitamente numa pessoa que vê nada em muitas coisas e até mesmo em muitas pessoas. Irônico até. Pois bem, agora pensara em livros. Não. Ele sempre gostou de livros, principalmente os livros velhos, fedorentos carcomidos de traças e pelo tempo, degustados por várias cabeças pensantes e que tenham adornado inúmeras estantes. Mesmo a casa dele, recordava, tinha aromas distintos conforme a época de sua vida. Conforme a época novos produtos de limpeza eram comprados, testados, usados, enfim.
Engraçado como informação, tão valiosa informação, pode estar ali, no nada.
Agora pensava no novo trabalho que ia ter de enfrentar. Novos colegas, novos restaurantes para almoçar e uma capital inteira para descobrir. Estava excitado e assustado, mais do primeiro que do último. Ia deitar a orelha e ainda sentia o saboroso cheiro de memória que vinha pela janela, degustando suas vivências sentiu o sono bater e sorria e ria sozinho pelas lembranças tangíveis pela entrada da estação que ele mais gostava. O frio dos infernos.

sexta-feira, abril 11

dores e cigarros

Pensou que estava embaixo daquela árvores
Precisava dar uns tiros nele, tocar tudo no lixo, carregar pra fora dentro do saco e ainda dar umas pasadas na cabeça pra garantir que o defundo não ia assustar ninguém.
Fred, o coquinho, andava com medo no meio daquela sexta-feira quase treze. Já passava das duas e ainda não tinham terminado de tapar nem a metade daquele maluco desgraçado.
Ruffles deu as ultimas afofadas no terreno e atirou um fósforo que acendera seu Lucky em cima da terra, era a despedida.
Estava feito, agora ninguém iria reclamar. Nem mesmo o assougueiro de Porto Alegre pensaria naquela, que idéia brilhante.
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Começou a amanhecer e uma dor de cabeça lhe tomou a cabeça, como naquela última semana ocorre muito, um sonho estranho, uma dor em alguma parte do corpo nada sério.
Levantou-se.
Caiu-se.
Suas pernas doiam como nunca, ele estava surpreso. Resolveu levar o cão para dar uma volta e aproveitar para tomar um ar fresco pela manhã. Calçou seus tênis vermelhos e notou rosetas nos cadarços... um pouco de lama seca num lado... olhou em baixo. Lama nos tênis. Riu e tomou o ar acompanhado do LouCão que correu feliz pelo gramado.
Depois do almoço, do livro dos vagabundos:
-Vou deitar novamente...
Não queria saber de buscas, não queria nem saber de música, estava intrigado com suas memórias. Levantou da cama e suas pernas estremeceram de dor, nas coxas e na batata da perna. Vestiu-se e foi averiguar.
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-Sim sim, tu estava com ele ontem porque aqui... acho que já eram umas três da madrugada ou mais quando pediram a conta e sairam rindo. Por? Aconteceu alguma coisa?
-Não... Não... Nada. Obrigado.
Entregou o dinheiro da cerveja e saiu do Inferno.
"Será possível?" Pensou consigo. Já passara das seis e meia e estava distante do treino. Resolveu não se esforçar por aquele dia louco e deixar passar. Receberia a cordinha de graduação naquele dia... Raios. O agravante.
Não tinha certeza da cor que receberia, mas sabia que uma sentença seria agravada, quando o juri, juiz, delegado ou seja lá quem fosse dessa vez ficasse sabendo de seus treinos bem intencionados. Acendeu um cigarro e caminhou pelos morros acima do Inferno, pensou em até visitar uma amiga. Talvez ela soubesse de algo, pudesse lhe dar uma resposta.
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-Ruffles! Oi! Entra! Que saudade!
-Er... Oi, desculpa, te atrapalho em algo?
Com educação se apresentara mas não tardou a passar mais um final de tarde com sua amiga. Ele confiava nela. Sentia-se tranquilo por ali, não um rei, não um escravo, senão que alguém no mundo feliz pela existência e sem nada para responder como responsável.
Se desvinculou um pouco dos lençóis e destaparam a cara, cada um para um lado por um instante, e logo ela acariciava seu peito com carinho pousando sua linda face no ombro dele.
-Que maravilha. Eu te digo, tu é um animal guri!
-Tu diz isso porque eu sou visita. Mas mudando um pouco de assunto querida, por acaso me viste ontem?
-Hahaha! Que pergunta boba, tu bebeu tanto assim?
-Ãnh?
-Ai ai... como teu pai dizia, teus neurônios vão sendo queimados com esse álcool todo. Vou buscar uma coisa pra tomar, quer alguma coisa?
-Não... quer dizer... tem...
-Serramalte?
-Hehe... não, eu quero suco mesmo.
-Que surpresa, tenho laranjas por ali, posso fazer um pra ti.
-Por favor.
-Num minutinho.
Beijou-lhe novamente com clara ternura e carinho. Aquele homem que aparecia de vez em quando, apenas por aparecer, passar um tempo ali sem compromisso de voltar ou fidelidade alguma.
Ele não aguentou. Mais um Lucky se consumia entre seus dedos enquanto esparramado na cama de casal ele fitava o teto e pensando nas rachaduras e pequenos detalhes mal acabados pensou em sua memória. O que parece que fizera estava feito e... fora interrompido com uma fala mais alta da cozinha.
-Mas então, tu realmente esqueceu de ontem?
-Errr... é. Parece.
-Mas que pena, estava muito divertido ontem, ao menos o tempo que tu passou por aqui. Agora não trabalha mais né vagabundo! Diz e promete pra si mesmo que vai buscar e achar o quanto antes, mas eu te conheço melhor que tu mesmo...
-Que nada... sua, sua... morena cuia!
-O que?!
Fez uma espécie de som com a língua como se faz para brincar com crianças.
-Vou por veneno para ratos no seu suco!
Um clarão lhe veio na cabeça... veneno para rato... Ele viu Fred rindo enquanto trazia o pacote do Bourbon e lhe entregava.
Quase desmaiou e jorrou sangue de seu nariz. A voz da cosinha, doce como sempre lhe despertava de suas angustias mais íntimas e lhe trazia para o mundo novamente como uma luz no fim do túnel.
-Ruffles! Tu tá sangrando!
-Ahhh minha cabeça. - Ia levando a mão na cabeça quando Mônica se aproximou com a bandeja com seu suco, uma cerveja e uma água com gás, quase como no bar onde trabalhava. Agarrou o suco antes que ela largasse a bandeja para lhe analisar a face.
Tomou em três goles longos e saborosos como se fosse o último copo suco de laranja no mundo.
-Ruffles! Tá, chega, larga esse copo. Deixa eu ver aqui.
-Ai! Não me machuca mulher!
-Deixa de ser mocinha e para quieto, vou lavar essa ferida, teu nariz tem um corte por dentro, ao menos parece que tem. Estranho que não tenha aberto por fora.
Pensou um pouco e já que era sempre assim com Mônica, achou melhor aproveitar e deixar o dia rolar... ela era uma verdadeira mulher, poucos a conheciam tanto quanto ele. Fechou os olhos e se preparou para que assim que terminasse de arrumar seu nariz voltaria para seus braços para mais uma longa diversão luxuosa e sincera.

Auto-piada

Chegou em casa ainda suando. Escorria pelos cotovelos, é verdade. Irritado com seu própio corpo foi logo até o banheiro e melhorou o humor com um banho gelado. Saiu tranquilo e foi pro quarto se vestir. Logo viu a irmã, a gorda, reparou bem no que fazia e abriu o armário procurando as roupas mais comodas para se vestir.
-Tu faz só isso quando está no computador?
-É.
-Hummm...
Ela estava numa rede de comunicação, numa rede social, online. As coisas voam. Yogurt, o nome da palhaçada. Os tempos mudaram. Agora, quando alguém dá uns amaços em outra pessoa, não se pergunta pelo nome, onde trabalha, ou seja lá o que for, se pergunta por um link, um perfil que a própria pessoa montou que diz respeito a ela e a mostra para o mundo todo com uma facilidade incrível.
Lembrou que comentou de um imbecil ex-ex-colega que frequentava a mesma academia que ele para a Suelen. (Um parenteses: Sua irmã frequenta academia. Tem treze anos e um corpo normal, o apelido de gorda é maldade dele mesmo.) Ela pediu imediatamente o perfil dele (esta Suelen com 16 anos). Não perguntou nome, não perguntou de quem era amigo nem conhecido ou primo, apenas o perfil. As coisas agora são interessantes até. Não se pratica mais o ato de ser social, ou seja, sociavel, sair por ai, mostrar emoções, se arrumar, ficar bonitinho ou se aprumar todo para uma pelada entre amigos na terça. Triste isso. A nova onda agora não é mais nem namorar pelado, como dizia uma música chula do seu tempo, a onda é namorar de longe, por bits mesmo.
Que absurdo tudo isso, que estupidez imensa! Pensou bem a respeito, conheceu mais gente que só faz isso, aliás, é dificil conhecer alguém que não faça isso. Marketing pessoal de graça na internet. Lugar se fazer amigos. Viu uma amiga fazer até um namorado disso ai, o relacionamento era com base em emotions, rostinhos amarelos que podem ser copiados e colados por qualquer um, ou seja, sem originalidade da pessoa mesmo, mesmo as palavras, estão estampadas num fundo branco, as vezes com cores rosadas e usando pontuação para se demonstrar expressão, tamanha é a necessidade de expressão que se sente mas não se encontra para se expressar. Até onde pensou, os adjetivos e toda a baboseira de portugues e todas as linguas, deveriam ser suficientes para se expressar, e provavelmente são. O que acontece, que pessoas que ixcrevi axim, ou MeLhOr AiNdA, AsSiM, não tem o mínimo conhecemento para se expressar de uma maneira mais culta (culta o caralho! Não passa do minimo dentro de uma sociedade que se diz alfabetizada), e sua saída foi, obrigatóriamente um emotion, um deseinho, igual equeles livretinhos para alfabezar crianças.





P
de
PORCO,
de Porco Feliz.
:D

Isso mesmo, cartilhas de alfabetização. Sorrizo - :D, sorrizo mais feliz - =D, e sempre tem um que se aparece com um skatista: o\-<|:

Podemos ir longe com a estupidez que é isso tudo que parte unicamente pelo fato das pessoas não ligarem mais para se comunicarem, porque não se toca mais pedrinha na janela pra chamar aquela guria, se deixa um recado no mural e pronto. Um lindo depoimento ao invéz de uma declaração com direito a violinistas e rosa na boca. A magia toda se perdeu no tempo, poucos aqueles que ainda lembram dela para se comunicar.
Ele falava falava, discutia, quando de repente se deu conta de seu passado... e nem tão distante assim... concluindo então, deu o título desde texto aqui.

domingo, abril 6

A Coisa toda

Certa vez resolvi comentar a respeito de como as coisas saem da minha cabeça, como brotam, ou explodem mesmo. As vezes acontece rápido, as vezes demora, preciso de tempos para pensar e pensar. A pior coisa, a mais terrível de todas, é não encontrar explicações para as dúvidas que tenho noção que são respondíveis. Não me refiro a origens, a propósitos sociais nem nada tão grande, senão que detalhes pequenos que todavia não entendo e anseio por entender.

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Entraram na casa do velho com ânimo, tudo dizia que as coisas seriam boas ali, que a viajem, a espera e o sorvete anterior foram um começo agradável da companhia que teríamos mais tarde. Entrou ele, o primo a namorada ele e um casal de amigos conhecidos. Erik apresentou seu avô com claro orgulho, sorriso aberto e cordialidade muito bem polida. O velinho gordo, minto, estupendamente gordo, parecia saudável e muito bem com a vida. Fizeram sala para nós enquanto a velha senhora nós oferecia algo para beber ou comer. Algo típico, poder-se-ia dizer, uma limonada e bolachas caseiras praticamente. Recusou educadamente e conversaram um pouco sobre parentes enquanto nós atentos dávamos breves opiniões. O velho não tardou a perguntar quem seria o primeiro.
"Acho que eu, certo?" Fitou os amigos, e concordaram que sim.
Levantou e se pos a andar em direção do quartinho que o velho indicava. Sentiu-se um pouco incomodo e ainda riu por dentro ao imaginar aquele velho, primeiro, de saia, somente pela expressão e depois com umas cintas de couro vestido de sado-masoquista. Seria engraçado, não adianta.
Seguiu o velho e entrou porta a dentro. O quarto era com pouco iluminação, o que lhe agradou muito, nunca gostara de muita luz, mesmo para ler, preferia uma luz fraca suficiente para deixar seu olhos verdes relaxados e em paz com a iluminação. Fitou ao redor e fez um scan do quarto.
Livros, muitos livros em uma prateleira grande, disposta na frente de uma maca ao fundo do quarto onde uma janela fechada (provavelmente por ser noite) ficava escondida atrás de longas cortinas brancas (pode-se dizer cinzas, de sujas ou velhas... talvez apenas, gastas). Mais a frente da estante, em direção a porta de entrada, existia uma escrivaninha, cheia de apetrechos como se fosse realmente um médico caseiro. Papeis, anotações, mais livros atirados, alguns daqueles brinquedinhos de bolinhas que ficam se batendo por inércia, um relógio velho ao estilo de madeira. A parede ao lado da escrivaninha era forrada de quadros, mais variados tipos, e logo de cara um quadro lhe chamou atenção. Era o famoso jesus, o resto dele esculpido em madeira com coroa de espinhos, de lado como que saindo do quadro. Realmente uma obra digna de se parar para observar. Instantaneamente pensou que o médico tinha deus por perto... e não tardaria para confirmar. Ainda na parede, agora do outro lado, no lado onde ficava escorada a maca, nos pés desta, um pouco para trás havia um espelho comum, retangular e um pouco alto, provavelmente se veria o reflexo da cintura a cabeça sem problemas.
Ele entrou e ficou um pouco imóvel paralisado pela ânsia e curiosidade do que viria a seguir. O velho provavelmente notou, ou mesmo ouviu isso e logo disse com gentileza.
"Deite-se na maca olhando para a porta."
Sem nem assentir, pos se em posição. Hesitou em pouco e perguntou:
"Tiro os tênis?"
"Não tem problema, pode ficar com eles. Agora olhe nos meus olhos."
Ele achou aquilo meio estranho. Sentia-se desconfortável, apesar de estar tranqüilo, sabia que não era receptivo a truques baratos de ilusão ou algo do tipo, e sendo cético, sempre pensava um pouco antes de responder ou perguntar qualquer coisa.
"Eu trabalho com ele." O velho apontou um quadro que estava a direita da porta por onde entraram, abaixo dele havia um banquinho pequeno, como um de praça, muito simpático por sinal e acima dele um quadro de jesus pintado, bonitão, olhos azuis barba no tamanho certo e cabelos melhores que qualquer produto da Seda ou da Dove deixaria. Pensou consigo.
"mmmmmm" (resmungo)
Entendeu perfeitamente que o velho era de deus e de carteirinha. Ali tivera a completa certeza, Mal desviou o olhar da imagem na parede voltando a fitar o velho e este bradou:
"tu acredita em deus???"
Disse numa maneira quase impositora, sentiu até mesmo uma faca no pescoço naquele momento, aquele velho de saia fora direto e cru. Não perderia a compostura diante de uma inquisição dessas. Sem pensar bradou igualmente alto.
"Não."
Aqui, o velho resmungou, talvez já até mesmo tivesse previsto apenas por notar a análise que seu cliente havia feito ao entrar em seu consultório.
Ele por dentro sorria, mas por fora manteve o controle de suas expressões e ficou normalmente sério, sem baixar as sobrancelhas, senão que apenas olhando o velho nos olhos tranqüilamente.
Ele notou que a vontade e polidez do velho começara a desandar quando ele pronunciou as palavras:
"Aqui, eu trabalho com ele, portanto, não tenho como trabalhar se não permitir que o espírito, a energia dele, entre no seu corpo. Mas tudo bem, vamos ver o que consigo." Cerrou os olhos. E como que ficou tendo tiques propositais. Ele Cerrava forte os olhos, marcando bem sua face com a expressão, e movia o rosto para a sua esquerda, como se estivesse inalando com força uma fumaça imaginária, quando chagava a um limite de dobra do pescoço ele abria os olhos, alivia os músculos e fazia de novo, fitava reto... repetia o processo. Resmungou alguma coisa, apenas uns "hmmms" ou algo assim, parecendo se concentrar. Ele também tentou se concentrar. Sua análise corria solta, ele fitava cada detalhe com tanta vontade de descobrir de analisar, de estudar as coisas que ali aconteciam que foi difícil dar-se um tapa na cara, internamente e olhar para o teto para esquecer a análise. Ele pensou sozinho no maca.
"Deixe ele entrar... isso... deixe ele entrar....
oooohhhhh que que é isso! entrar é o escambau!
uhahahhaha. Ta sem brincadeirinhas... Tente parar de pensar Ruffles, tente ignorar as coisas, apenas virar um breve espectador participativo sem muita coisa na cabeça. Ta agora chega de conversa, quiete-se. E fixe no que o velho diz. Ele é velho. Deve saber alguma coisa a mais que tu ainda não descobriu. Ta. Agora..."
Fixou-se no velho e realmente encarou com seriedade as coisas. O velho prosseguiu mais um tempo. Ele pensou que ia sentir algum calafrio, mas não, acabou pensando no fundo que isso seria uma reação natural diante daquela situação não muito comum.
"Não entrou."
Morreu rindo por dentro. Não conseguiu não rir. Como diabos ele queria que se levasse isso a sério assim, ele sabe que somos jovens, que brincamos com essas piadinhas clássicas. Ele também deve ter sido novo um dia, talvez uns dois dias.
"Bom, certo. Você deve deixar ele entrar com tranqüilidade, não se preocupe, estas em boas mãos. Agora vou tentar novamente."
O velho refez o ritual. Ele se punha aos pés da cama de hospital, agarrava a gradezinha aos pés e repetia o processo. Houve falha mais algumas vezes para que aquilo funcionasse direito. O velho parou uma hora e disse que ficava difícil trabalhar assim e perguntou quem deveria chamar. Ele respondeu a garota. Sabia que seu primo queria que ela fosse ver o velho, e pensou que ele se retiraria dali com todas as curiosidades ainda no bolso. Não foi isso que aconteceu. Ela entrou e o velho explicou a ela o que estava acontecendo. Emburrado falara que ele não acreditava e portanto não conseguia fazer muita coisa. Mais uma tentativa e comentou que havia alguma secreção que lhe escorria do nariz, descia pela garganta e afetava-lhe o estomago. Isso renderia uma gastrite futura. Depois perguntou se havia algo de errado com seus testículos. Sim. Ele foi direto e diria até, profissional. Ele respondeu que não corando, afinal, era namorada de seu primo. Por que raios ela ficou ali? Era para o primo dele estar ali, pensou que ela ia ser a próxima! pois bem que seja.
"Não!"
Aquele não saiu quase como um "nunca" dito firmemente. Nunca lhe reclamaram de nada referente a sexo, nunca nem mesmo ele se queixara com seu aparelho sexual, normalmente uma primeira vez levava a uma segunda e com sorte a uma décima sem muita dificuldade, não havia porque ter algo errado ali. Ele lembrou dos tomates. Preveniam o câncer de próstata. "Que diabos é próstata?" perguntou-se e respondeu-se que não interessava. Ia comer mais tomate, ao menos um por ano que fosse. Não interessa como, estava tentando mudar um pouco a ele mesmo. O velho continuou observando seu corpo e parando as vezes em alguns pontos. Perguntou se ele sentia dores no coração. Sentia. E de dois tipos diferentes que todos que vivem de verdade conhecem. Falou sobre as pontadas que vinham as vezes atazanar-lhe o peito.
A garota que agora assistia a tua estava sentada naquela cadeira abaixo do quadro de jesus bonitão. Ficou um pouco impressionada quando o velho lhe explicou que ele tinha ataques cardíacos quando sentia as pontadas, era como um tic tac do relógio que perdia o compasso por alguns instantes provocando espasmos no coração e bombeando o sangue com muita intensidade. Era como se o coração desse uma tossida no meio de uma ópera sendo ele o tenor.
A noite passou, fora a vez da garota, ele ficou fitando os detalhes, e as vezes saia daquele mundo pensando na sua resposta direta e quase maldosa.
"Não."
Era tão importante assim? Agora estava curioso. Não era mais fácil dizer que sim e ver o que ocorreria? Afinal, ele não era um cara sem crenças, ele acreditava em tudo. Como assim tudo, parou um pouco para lembrar. Lembrou-se da visão sistemática, lembrou da física, lembrou da comunicação entre tudo e todos e reafirmou seus pés novamente com alívio interno. Em tudo...

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O final da noite fora interessante, as pessoas olharam diferente para ele pois ele respondera que não e todos ficaram sabendo. Sentiu-se um judeu em terra de nazista, pensou se não fariam piadas sobre fornos e judeus caso o convidassem para comer ou algo do gênero. Pois bem, voltavam agora de carro, no carro da namorada do primo a alta velocidade em direção a Santiago. O primo havia entrado depois e passado um longo tempo na sala com o velho, agora falavam a respeito de como havia sido para cada um. Deram risadas daquelas piadinhas de vou entrar no seu corpo, e coisas do gênero e mais ainda quando o velho havia dito para seu primo que ia entrar no seu pênis. Ele confessou que ficou meio assim com a declaração do velhinho, mas foi tranqüilo, tivera diagnósticos e todos os que responderam que sim estavam curados. O velho lhes tocara e vira as luzes dos corpos, vira a energia negativa saindo e fizera cirurgias internas sem tocar internamente. Não tardou estavam numa discussão a respeito da pergunta.


-Viu só? Custava acreditar? Não é muito melhor? Assim tu tem até assistência médica de graça! hahaha!
-Não é bem assim... eu não posso simplesmente ignorar o que penso, o que fundamenta a minha vida de uma hora para outra só por benefícios. Isso é como renegar a minha história, ignorar tudo que já havia mentalizado e tocar tudo fora.
-Ta, claro... mas é que tu não acredita em nada! Como é que tu quer fazer alguma coisa? Sinceramente não te entendo nesse aspecto, tu é inteligente, gosta de ler e pensar bastante, mas pensa só, todos tem uma religião, porque tu quer ser assim tão rebelde?
-Ahhh o papo e rebelde... A princípio até eu pensei que fosse isso mesmo. "Quero ser diferente e pronto.". Mas não, não é isso, é apenas que eu não concordo com essa personificação, nesse ídolo nesse foco de idéia tão generalizado. Sabe uma crença é uma crença, não podem pedir que eu acredite no que os outros acreditam de tal maneira, não sou um índio para ser catequizado forçosamente ou mesmo pecador por pensar diferente. Raios. É uma coisa simples, cada um com seus amuletos, correto?
-Ta certo, mas agora, no que tu acredita? Tu disse que respondeu pro velho. "Em mim, nas pessoas e suas ações.", isso não é muito né... não vejo nisso uma grande resposta. E falando em acreditar em deus, jesus e todos os outros, eu não falo da igreja católica, eu odeio ela, ela é uma profanação praticamente, muito dinheiro em tudo, é completamente estúpida e tem regimento como se fosse uma nação, colocando cargos e subcargos.
-Sim... é claro, a igreja é uma multinacional, todos nós já sabemos, o que acontece é que muitos, muitos mesmo, ainda vão aos domingos prestar alguma coisa. As pessoas se iludem com uma facilidade incrível, isso me deixa muito triste as vezes. Com podem acreditar nessas coisas tão facilmente? Eu posso inventar um história legal também a respeito da morte, das salvação, da vida eterna, um conto de fadas tão lindo quanto, e quem sabe até por uma pitada do oriente a respeito de virgens ou arem para cada um. Sabe, gosto de falar mal da igreja católica e tenho pena dos desgraçados que precisam de igrejas assim, tão decadentes fundadas na base da caridade.
-É... também não gosto, no Brasil parece que a coisa é pior que aqui.
-É mesmo. Todo lugar pobre tem uma quantidade absurda de igrejas. Acho que se compra um kit alá "faça sua igreja em apenas 7 dias!", ou algo do gênero. Ahhh a respeito da caridade... tu gosta da caridade?
-Não. Nunca gostei. Conhece Machiavel?
-Sim, também gosto desse maluco.
-Então tu conhece um pouco dos pensamentos dele, a respeito de sacrifícios para um bem maior e coisas assim?
-Claro claro, mas eu pensa um pouco diferente ainda, eu acho... É bom usar a idéia do oriente. Os caras desde sempre cultivam a força, quero dizer, não o poder, mas a força! A força de verdade, a virtuosidade de seus corpos o bem estar espiritual e corporal, eles não ignoram o corpo como nossa cultura fez e faz, o corpo e a mente são um só, nenhum vale mais ou menos que o outro, não temos uma ferramenta na mão com este corpo, senão que somos ele e sempre seremos, quero dizer... enquanto aqui o mais forte caça para o mais fraco, e ajuda dando lhe de comer, repartindo pão e multiplicando vinho, lá os caras prezam por orgulho, eles precisam ser fortes para sobreviver, uma lei da selva real, ou seja, não para matar, senão que ter a capacidade de se adaptar aos seu ambiente e poder viver com suas próprias pernas!
-Hummm... entendo. Tu sempre foi desses mesmo, eu sei que tu não gosta de ajuda.
-Não é que não goste... é que... ta, eu não gosto.
-Isso não é bom primo. Não seja arrogante, ajuda também é boa, aquele esquema de aprender a pescar e tudo.
-Eu sei eu sei, gosto de aprender, o que eu odeio mesmo, o que não gosto em mim, e necessitar de certas ajudas, ou seja, eu por exemplo estou voltando para Santiago com vocês por dois motivos que não me deixam orgulhoso. Porque não tenho dinheiro nem para a locomoção nem para hospedagem, logo tenho que ir com vocês.
-Mas tu é meu primo porra, não seja assim. Tu sabe que é bem vindo.
-Sim, eu sei, sou grato e posso-lhe agradecer por muito tempo por todas as aventuras que consigo passar nesse país louco só porque tenho vocês para me ajudarem, o que não gosto, eu tenho que frizar, é que eu preciso da ajuda, eu não tenho opção entendeu? Minha opção seria o orgulho cru e ficar menos de uma semana com o pouco dinheiro que tenho, dai eu penso assim... como eu quero odiar a caridade e pensar na força que as pessoas tem que ter se eu sozinho não tenho nada? Capichi?
-Ca.. entendi.
-É capisco.
-Io capisco.
-Benne.
-Pois bem, mas não pensa assim também, as pessoas precisam de um pouco mais que as próprias pernas... pense só na família!
-Caralho! Tu acabou de detonar uma bomba na minha cabeça. Eu sempre pensei e me perguntei porque os orientais são tão respeitosos e submissos aos seus pais, aos seus costumes. Eu nunca gostei de um costume sem uma resposta plausível, agora tudo faz sentido! Eu não consegui o dinheiro daqui sozinho! Eu consegui graças aqueles velhos malucos lá de casa, que tiveram um nene com 23 anos de idade sem tem nem casa pra morar ainda! Hahaha!!! Meu deus como sou burro! Ahhhahahhaha, e eu ainda grito meu deus! Ateu não praticante.
-Hahhahahhaha.
-Nossa, to feliz por ouvir isso. Feliz mesmo. Mais coisas a mudar. Ta vendo maluco! Ta vendo porque eu viajo literalmente? Eu preciso dessas coisas para aprender, porque normalmente aqui, as coisas acontecem com menos precedência, com uma naturalidade brutal e me fazem evoluir de uma maneira que me agrada muito além do que, a cerveja aqui é de litro.
-Hahhahahah, tu gostou daquela pequenina lá na praia né?
-Adorei, não lembro o nome, mas adorei.
-Ah, e a... a... ah, não lembro, o nome é estranho.
-Mas ta. Voltando a deus... tu acredita nessas coisa né? Não acredita? Lembro que naquelas noites na barraca lá pelo sul falamos a respeito disso, mas foi mais uma guerra pra fazer cada um acreditar no que o outro acreditava sem dar muita noção do que realmente era para si. Agora mudando um pouco as coisas... Como tu acredita nisso cara? Tu não é idiota, eu sei que não, como pode fechar o olhos pra tanta coisa assim?
-Ah, não é bem assim... é que diferente de ti, eu tenho a necessidade de me agarrar a algo. Eu sei, isso é bem bichinha, como tu diz, coisa de maricon mesmo mas é assim que sou, não adianta. Nesse ponto posso dizer que sou fraco por isso, porque tenho essa necessidade de mãe.
-Viadinho.
-Vai se catar! Deixa eu terminar. Então. Como já falei, eu tenho essa necessidade e focalizo meus pensamentos, minhas esperanças nessa imagem, nessa coisa, em um deus, assim... não sei bem como explicar, é que preciso desse foco, preciso do ídolo, da imagem de ter alguém sempre me ajudando, para quando tudo tá uma merda só eu poder contar com ele seja lá o que for, entende?
-Viadinho. Hhahahahaha
-Hahhahahah
-Realmente acho isso uma baitolice. É como chamar a mãe quando as merdas acontecem. Eu sei, sou arrogante, tu descobriu, ou melhor, tu me mostrou isso justo hoje, bom saber que sou arrogante, mas acho muito melhor assim. Eu até penso nessas coisas as vezes... ter um ídolo, acreditar num amuleto, num ponto de referencia, como uma cueca da sorte ou algo assim, mas não adianta, não consigo acreditar nisso de verdade. Não funciona como eu acreditei que vinha pra cá da segunda. Nossa... aquele ano sim, eu tinha a absoluta certeza pra onde ia, não sabia como mas eu ia. Aquilo foi incrível, inacreditável, era uma sensação de confiança pura mesmo, eu ja sabia que ia pra onde queria e ponto final, os meios eram detalhes, meros detalhes.
-Legal... mas e agora, pra onde tu vai?
-Eu to fudido mesmo. Não sei! Não sei mais o que quero, é como poder desejar qualquer coisa, só que não quero nada atualmente, ou melhor, quero nada, ou seja, quero tantas coisas com pouca vontade que eu me dou o luxo de chamar de nada.
-Que merda. Mas tu não queria vir estudar por aqui? Tu falou bastante nisso, eu lembro bem.
-Olha, querer eu quero, mas não precisamente aqui, senão que fora do Brasil, e além disso, estudar o que? Nesse ponto eu empaco.
-Ah, tu faz alguma coisa de informática, acho que tu tinha falado em analise, ou algo da tua área...
-Sim, é eu pretendia fazer analise, mas... mas né?
-O que?
-huuuaahahahahhaha!!!
-Uahahhahah!!!
-Ai isso é tão legal...
-Ta, mas voltando... estava tu, com teus botões sem precisar chamar a mãe, ou deus, ou seja lá o que tu chama isso... no que fica?
-Ah, fica numa coisa.
-Como coisa?
-Coisa. Não sei bem explicar, eu chamaria de coisa mesmo, com C maiúsculo.
-Ta, explica logo, mula.
-Tua vó torta. Mas então... indo para a Coisa.... chamo de coisa porque eu não gosto da idéia de centralização de poder, sabe, deus é poder, poder puro. Desde sempre, desde a história, deus é um resumo de muito poder, pensa... se tu precisa chamar ele pra te ajudar, é porque ele é mais poderoso que tu e pode te ajudar, seja a merda que for. Depois peguemos a história como aconteceu, e não como foi contada. Em nome de deus se matou muita gente, afinal, deus manda porque deus sabe o que é certo. As linhas tortas pelas quais dizem que ele escreve são os cadáveres dos bruxos queimados, além disso, toda a riqueza da igreja ainda nos dias de hoje... nossa, tudo que tem vinculo com o deus que se conhece no cotidiano tem vinculo com alguma espécie de poder. A igreja universal comprou um canal de tv e uma radio. Poder de telecomunicação, poder monetário.
-Sim sim, mas não confunda as igrejas com deus, não tem nada a ver.
-Igualmente cara, como eu falei antes, deus e poder é um sinônimo intrínseco. Mesmo o teu deus, ele representa o poder que tu não tem. Bom, o que vejo de ruim, é que tudo isso está concentrado nessa figura de deus. Eu penso que todo esse poder é parte do TUDO, e quando digo tudo, digo TUDO, tudo mesmo. Todas as coisas que não conhecemos que estão pelo espaço, todos os seres vivos e mesmo as coisas não vivas, eu acredito que cada Coisa, tenha uma vontade interna. É como pensar que a pedra na beira do penhasco não agüenta mais a ânsia de estar ali olhando para baixo e um dia ela se joga, ou ela, cai... alguns diriam que é porque o tempo passou, o vento, a chuva, sol em fim... todas as coisas que influenciam na pedra. Eu acho um pouco diferente, acho que todo o ar ao redor, tudo ao redor estava ajudando a pedra a realizar seu insano deseja de se atirar penhasco abaixo e deixar de viver na agonia de estar a beira de um precipício. Ta... parece meio ridículo, mas se tu abrir um pouco os olhos, é tão ridículo quanto tua idéia de deus.
-Touchet.
-Heheee. :D
-É, vejo que tu não é desmiolado... não era como eu pensava. Agora... ainda assim... eu preciso da imagem, do ponto de foco para direcionar minhas vontades.
-Ah, que se foda. Eeeee.... vamos pedir uma pizza quando chegar!
-Jaira!
:D

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Foi uma conversa longa que tiveram, podia ser muito maior, poderiam ir juntos novamente as montanhas e pensar a respeito de verdade, escalar o máximo, destruir seus corpos até chegar num ponto máximo e ali pensar a respeito em todos os sentidos. Mas aquilo realmente foi bom de por pra fora. Ambos terminaram com suas pizzas em casa aliviados, satisfeitos em duplo sentido, agora aqueles malucos conheciam um passo mais para dentro da cabeça de cada um. Dois malucos, cada um, louco de sua maneira igualmente imbecil.