quarta-feira, abril 30

agora entende

Ele abriu a janela para sentir o frescor gelado entrando e passando desde seu quarto até a janela do outro lado do apartamento. Sentia-se perfeitamente feliz apenas lendo, sozinho, no frio. Olhou para o cão e notou uma cara de "quero atenção" naquela fuça, normalmente não o faria, o cão não era dele, foi até divertido correr um pouco com o frio nas canelas junto daquele ser não tão burro assim. Chegaram cansados em casa e ele, antes de voltar para o livro, fez sanduiches para sí mesmo e eu comida para o quadrípede. Pão, corta, mayo, queijo, beijo e presunto. Queijo e beijo. Notou o silêncio que era naquele lugar, poupar energia, ser cuidadoso, manter as coisas em ordem mínima. Se sentia bem com o mínimo de ordem, contudo, sabia que fazia falta o simples barulho que a televisão fazia ligada na sala, sem ninguém olhando. Comeu mais que rapidamente os sanduiches e se arrependeu de não ter te-los transformado em torradas.
Com o cobertor viu filmes que não sabia que existia. Sentiu falta dela. Não, não era mais dela em sí, não era mais um rosto que ele conhecia que lhe fazia falta, era um rosto desconhecido, era uma imagem de algo sem imagem, apenas uma pessoa que lhe faltava, uma amiga maluca, o projeto de garota que talvez ele houvesse montado em sua cabeça.
-É uma pena hein cão, se um dia tu ver ela por ai, segura e me chama. Senão te deixo sozinho tambem por tempo indeterminado.
O cachorro olhou e virou um pouco o pescoço. Ele entendeu de cara o que aquilo significava, era uma resposta clara e objetiva dizendo: "Pode deixar bruxo!".
-O pior não é a solidão, eu gosto dela, não é pelo costume, só sou egoísta o suficiente para gostar de ficar sozinho... agora não assim, tão indeterminadamente. Tu entende né?
Olhou de novo para o lado e o cão praticamente falou que sim, quando soltou ar com mais força pelas narinas.
-Sabia que tu ia entender sua gorda preta!
Afagou a cabeça do cão e fez um bom carinho, daqueles atrás da orelha, como ele sabia que o bicho gostava. Não lavou a loça que sujou nem estendeu a cama, foi ver um filme e levou cobertores. Agora buscava por algo doce para comer quando o telefone soou e instantaneamente o cachorro ficou perto dele claramente pedindo que atendesse e parasse com aquele barulho maldito.
-Alô?
-Oi, o Ruffles?
-Sou eu, quem é?
-Oi Ruffles!!! Tudo? Aqui é a Su, lembra de mim?
-er, em, ahhhhh! é tu Su! Quanto tempo! Tudo bom sim, tudo muito doido.
-Doido? Bom, tu nunca foi muito padrão mesmo, mas e aí, o que vai fazer hoje?
-Perai, perai, te conheço, ao menos conhecia, de onde tirou meu telefone?
-Falei com o Bob e ele me deu o número ué, algum problema?
-não, não, sem problemas. Olha, eu não ia fazer nada agora, na realidade ia achar algum filme pra ver embaixo das cobertas, ehhehe.
-Ah, mas então tu já tinha algo pra fazer... igual, o que tu acha de irmos tomar um vinho ali no Taverna do Dragão?
-Mas bah! Feito, que horas? as oito, pode ser?
-Bom... por mim podia ser mais ou menos agora, to aqui perto num orelhão e já vai acabar o crédito do cartão...
-Ahhhh não, então, tá. Vou por uma roupa e to indo aí.
-Certo! Beijo, até depois.
-Até! Tchau.
Saiu correndo pro quarto e vasculhou tudo. Su tinha um rosto lindo, ele lembrou instantaneamente dos seus deliciosos lábios que uma vez havia provado, fazia questão de ir bem aprumado, uma roupa de domingo ou algo assim. Pos uma das calças que mais gostava e uma camisa normal, uma cor, simples, no tamanho correto, sem apertar ou ficar larga, cobriu isso com um blusão grafite de gola alta que sabia que lhe caia bem. Faceiro, se aprovou no espelho como gostava de fazer e o cão ficou triste quando ouviu a porta bater.
Não se perguntou porque apareceu ali, sem sentido algum, apenas gostou da idéia.
--
-Com licença moça.
-Oi!
Trocaram beijos na face como antigos amigos e deram início ao papo. A coisa foi longe, ela estava sozinha pela cidade, havia conseguido trabalho em florianópolis como modelo, sim, modelo, agora Su estava com a bola toda, era uma garota linda, de rosto angelical perfeito, relativamente alta e esbelta. Lembrou dos amigos dali enquanto visitava os pais e resolveu ir atrás dos mais chegados. Por pura coincidência, encontrou-se com bob e ja arrancou-lhe novas informações, assim chegou até ele e lhe convidou para fugir da rotina de grama alimentar que ela tinha de passar. Comeram um xis cada um, ela de salada, com baccon, só pra não ficar sempre na salada, e ele de coração de galinha. Ela ainda saber comer um xis, não fez muita sujeira e só se sujou com katchup uma vez no rosto, quando ele imediatamente limpou e deixou claro suas sub-intenções em relação a ela.
A vida estava levando os velhos amigos longe, cada um agora fazia algo diferente e não havia sempre uma compania certa para todo o dia. Su agora, orgulhosa, falava ingles. Ele a detonou quando conversou com ela tranquilamente em ingles e ainda arriscou espanhol quando viu que não era correspondido. Ela tinha dinheiro, fez cursinho e levou a sério, sabia muito e tinha uma viajem planejada para o final do ano, ficou espantada ao saber que ele não havia feito curso algum e tinha a carga das viajens para contar. Foi uma garrafa de vinho entre os dois e pra finalizar, uma porção de batatas frita a fez lembrar que agora deveria passar um mês só comento capim.
-São os ossos do ofício.
-Cuida hein, senão ficam só os ossos mesmo!
Uma boa gargalhada foi o que restou antes de um beijo amigo tocar a boca do outro. Ele estava pulando de alegria por dentro enquanto abraçados olhavam aquele filme na casa dele em baixo dos cobertores quentinhos. Não queria sexo, não queria amor, só a compania estava imensamente agradavel e não poderia ter vindo em melhor hora.
Ao final do filme, ela se despediu e disse que amanhã já estava voltando para seu emprego, longe dali, deram um beijo longe e romantico e antes de deixa-la, abraçou-a com força e susurrou no seu ouvido com ternura: "adorei te ver."
Ela entendeu errado e saiu do apartamento com uma idéia de que ele queria mais que nenhum compromisso, pareceu um final com chave de merda para um filme legal. Tudo bem, pensando melhor, ele não devia ter dito nada mesmo, olhando de fora de sua cabeça, aquilo realmente passaria uma idéia errada em relação a real intenção... "Pasciência. Haverão outros filmes." ele queria acreditar nisso, mas era a vontade de ter algo para se preocupar, ter algo garantido todo dia que estava lhe pinicando o estomago.
Deixou o dia passar sem mais atrativos, resolvou começar o trabalho de procurar Fred, fazia tempo que aquelas pequenas visões apareciam na sua cabeça. Escovou os dentes depois de uma massa rápida quando seu nariz voltou a escorrer sangue. Era normal no verão, mas agora estava acontecendo vezes de mais num curto período e tempo. Estancou o sangue, terminou de escovar os dentes e trocou denovo a rolha de papel higienico que havia posto na narina que escoria. Começou a noite com apenas música, enquanto olhava as estrelas deitado em sua cama, desligou tudo que podia para não haver nenhuma luz dentro do quarto e lembrou do imenso lustre estelar que uma vez lhe cobriu o teto negro céu na noite gelada das montanhas aridas. Era isso. Queria agora, alguém que ele pudesse contar para acompanhar em suas aventuras malucas. Torceu e quase inventou um deus para rezar que isso acondecesse. Engraçado que sabia que Su não era alguém para isso, apesar de ter cido uma perfeita compania naquele dia, ela não o acompanharia tão longe... riu sozinho quando pensou que ela entendeu errado, e ele, agora entendia certo. Dormiu sorrindo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Isso tudo muito pouco tem de ficção, acredito.