quinta-feira, abril 17

janela aberta

Ele crescera por essas bandas. Suas memórias vinham delas, das árvores, dos vizinhos, dos amigos de tempo de infância feliz e ingênua para todos os problemas que automaticamente se criariam posteriormente. Mais um daqueles dias em que ficava na janela de braços cruzados, observando lá me baixo, o gramado e a sombra dos flamboyants que a essa hora já era feita não pelo sol, mas por lâmpadas amareladas da rua.
O vento bateu sua cara novamente, como ele sempre gostou que fizesse. Tinha um cheiro de grama, de pasto molhado, cheiro de terra mesmo, com seus aromas clássicos desse começo de inverno. O frio tangeu-lhe a memória e relembrou instantaneamente milhões de coisas que haviam ocorrido, milhões de brincadeiras divertidas que teve naquele gramado, com aquele vento, aquele aroma magnífico que o fazia sentir um aperto no peito de saudade dos velhos -nem tão velhos- tempos.
Agora ia se dirigir novamente a sua -com orgulho, depois de tudo- escola do ensino médio. Teria de ver os papeis com a supervisão de estágio ou seja lá como se chame e via as coisas passando. Por um instante pensou que agora sua vida estava realmente mudando. Já havia adquirido experiência em uma boa empresa na área de TI e lembrou de divertidos momentos com os colegas de trabalho. Lembrou do dia que viu a hora no relógio do computador da empresa, satisfeito consigo mesmo de ter terminado seu trabalho, e eram quase três da manhã. Lembrou dos almoços das conversas e piadinhas que se fazia, da gurizada toda que dizia com orgulho:
-Agente ganha pouco! Mas.... putaqueopariu como é pouco!
Lembrou das mulheres, é claro. Lembrava do charme de algumas e de específicos dias que fora elogiado pela morenaça que era uma das secretárias - que T de mulher.
Parou um pouco... Tentou lembrar de seu trabalho, afinal, está em seu currículo, ele deve saber fazer o que diz que sabe fazer. Finalmente lembrou. Foi aí que parou e se deu conta do nada que é trabalhar com essas máquinas. Como se lembra das coisas? Na máquina se escreve, se lê, se forma pensamentos e tudo, mas no final das contas, não tem uma coisa que tange a memória. Não é algo real, não é algo degustativo ou oufativo, os computadores não tem cheiro, nem gosto, dois dos principais gatilhos que sempre lhe ativaram a memória como aquele vento que veio por acaso.
Computadores são nada. Ele trabalhava com nada e era bom nisso, o que se encaixava perfeitamente numa pessoa que vê nada em muitas coisas e até mesmo em muitas pessoas. Irônico até. Pois bem, agora pensara em livros. Não. Ele sempre gostou de livros, principalmente os livros velhos, fedorentos carcomidos de traças e pelo tempo, degustados por várias cabeças pensantes e que tenham adornado inúmeras estantes. Mesmo a casa dele, recordava, tinha aromas distintos conforme a época de sua vida. Conforme a época novos produtos de limpeza eram comprados, testados, usados, enfim.
Engraçado como informação, tão valiosa informação, pode estar ali, no nada.
Agora pensava no novo trabalho que ia ter de enfrentar. Novos colegas, novos restaurantes para almoçar e uma capital inteira para descobrir. Estava excitado e assustado, mais do primeiro que do último. Ia deitar a orelha e ainda sentia o saboroso cheiro de memória que vinha pela janela, degustando suas vivências sentiu o sono bater e sorria e ria sozinho pelas lembranças tangíveis pela entrada da estação que ele mais gostava. O frio dos infernos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu diria que tu ainda tem dois livros meus aí...

Esse teu inverno me lembrou que eu preciso uma boina.

Anônimo disse...

esse texto aí já tá vencido...tem que colocar coisa nova na prateleira!