domingo, abril 29

Arroz à grega

Terminamos de comer e olhei pra mãe, que fez tão maravilhosa comida, aquela com tempero especial. Tinha um strogo, bagonesia colorida e uma arroz à grega, este último que desencadeou o restante.

- Bah, tem um restaurante em porto que tu quebra os pratos depois que come, quer dizer, acho que é depois.
- Ãh? como assim?
- Ah, é um restaurante bacaninha, não muito caro, de comida grega, isso, é um restaurante grego. Deve ter esse teu arroz por lá, ehheheh. Eles te dão umas canetas, tu escreve o que tu quer que suma da tua vida, e rebenta-lhe o prato no chão, assim - erguei o prato chinês acima da cabeça com as duas mãos e fez um movimento brusco para joga-lo no chão. Parou pouco antes de solta-lo.
- Cuida! Abobado. Se livrar, tu diz, coisas ruins assim que tu não quer?
- É tipo isso, coisas que tu não quer mesmo, seja lá o que for.
- Ahhh, isso é tipo mandala.
- Mandala? Aquelas coisas redondas?
- Se escreve as coisas que tu não quer na mandala, dai eles botam fogo nelas.
- Hummm legal.
- É coisa assim, como se diz, de credo.
- Que credo o que mãe, é cultural. Inclusive o credo, crédo.
- É...
- Báh que legal! Os gregos, escrevem o que não querem nos pratos e os quebram, os caras esses ai da mandala botam fogo, legal! Os alemães sim são foda, botam fogo direto no que não presta!

sábado, abril 28

Toda

Então que um bobo fica ali parado observando aquele magnífico ser.
Fica olhando, meio sério e com um pouco de tempo, pouco mesmo, acaba por sorrir.
Não é uma risada, não confunda funda com bunda, é um sorriso real, instantâneo tipo nascau
Aos poucos aparece, e quando se da por conta já chega nos calcanhares.
Parece risada, pode dar impressão de um deboche, mas é um babão que não ta entendendo o que ta acontecendo, só tá ali, olhando, abestado.
Ela deveria compreender que nesses olhos as coisas são vistas de outra forma, o mundo não é o mesmo.
Se vê ternura num xingamento malandro, é aquela coisa de além de tudo, todo o corpo, ela ainda pensa.
Babando na mesa, pingando no chão. Um cachorro olhando uma carne? Sim, mas alimenta também o espírito da gente, não se trata de banha, se trata de mais que isso, uma fome de vida.

Alguém lhe aponta o rosto e ri. Fica claro seu estado de besta, daquele tipo maravilhado que não sabe de mais nada além do que se está focando.

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Alguém certa vez me falou, ou talvez eu tenha lido em algum lugar, não sei.
Mas elogios com base na sorte, quer dizer, genética, quer dizer, atributos que não dependem de esforço próprio, não deveriam nunca ser elogiados, por motivos óbvios, quer dizer. Deveríamos dizer que essas pessoas simplesmente tiveram muita sorte, mas não agrada-las por isso.
Nunca pensei muito nisso, porque mesmo o esforço é resultado de uma criação, e esta criação também poderia ser considerada sorte, no final das contas, não é possível medir elogios. Ela é linda de todas as formas, ou melhor, toda toda.


segunda-feira, abril 23

Fumaça Parte 2

Aquela vida que estava levando como garçom num restaurante bem arrumado de comida caseira o deixou mais ereto. Apesar de sempre sair para dar umas tragadas precisamente as duas horas, ele gostava de ficar no trabalho, tinha um relacionamento bom com os clientes. Alguns visivelmente não gostavam do seu jeito meio duro de falar, talvez grosso. Era bastante objetivo e sem delongas o que as vezes era visto como arrogância. Se alguém por acaso fosse avisado, ou desse mais uma chance, veria que era o jeito de ser. objetivo, claro talvez simplesmente sincero.
Existiam alguns caras que seguidamente lhe pediam fogo na hora que saíam do restaurante, ali no deck de entrada onde algumas mesas pequenas de madeira ficavam. Eram cadeiras daquelas de dobrar que estavam na moda, combinavam com tudo, praia, decks bem decorados com cores vivas e também qualquer lugarzinho que servisse cerveja, mesmo que esse não fosse o caso, aquelas mesas ficavam bem bacanas olhando de longe. O toldo branco com o emblema de uma âncora por baixo do nome ficava muito bom para um deck. Pedrito Duomo já era seu habitat, faz anos que não sabe o que é trabalhar somente em dia de semana. Seu descanso era na segunda. Estava bem com isso, sempre tinha tudo a seu dispor e se sentia toda segunda-feira de férias.

Saía sempre as duas para fumar um cigarro na porta dos fundos da cosinha, que dava para a rua de trás da quadra. Escorava-se na parede e acendia seu cigarro, atirava o palito sempre tentando acertar o lixo uns três metros de distância e sempre errava.
O cara novo lhe parecia drogado, tremia como um cusco renguiado numa noite de julho. Por mais que colocasse cada um em certos perfis, normalmente não ia de mal com ninguém, a não ser que lhe comprassem a briga de imediato. Com Gabriel não foi diferente, mesmo desconfiado ele acendia o cigarro do colega, que trêmulo ficava largando cinzas antes do tempo. O cara era estranho, meio feio, mais alto e magro que ele. Fazia uma semana que estava trabalhando junto e de alguma forma puxou assunto.
- O que tu acha da polícia?
- Oi? Como assim?
Soltavam a fumaça como reticiências.
- Sei lá, dos porco, dus hômi. O que tu acha?
- Bah cara, eu não tenho assim nenhuma idéia muito formada, mas custo a acreditar que sejam todos assim, porcos. É foda isso.
- É... mas não. São todos porcos. Abusam do poder de suas credenciais e a gente apanha por nada.
- Como assim? O que houve?
Ele largava a cinzas perto da parede, onde sabia que seria limpo ao final do expediente.
- Ah cara, nem te falo. Moro lá pra perto da freeway, é umas quadras do início da vila ta ligado? É todo dia os porcos chegam e cagam a pau uma negada, se acharem que tem algo errado, só pensarem que tem, já descontam nos neguinhos que acharem.
- Ah mas isso talvez...
- Não véio! É assim mesmo, to te falando, apanhei denovo desses merda.
Tragava em silêncio esperando o garoto desabafar.
- Eu to de saco cheio com tudo isso. Essa bosta de ficar sempre correndo atrás de grana, o cara faz bico, troca de emprego, nunca da certo nada.
- É, não é fácil... - Responde complacente.
- Pensei bastante e depois que ví o poder desses caras, quero ele pra mim cara. To falando, vou entrar para o lado deles e explodi-los por dentro!
- Heheheh, é, parece mais fácil assim do que tentar revitar na nossa posição né? - Tornava a tragar as últimas linhas do Marlboro.
- Sim véio, tem uns concurso meio foda pra entrar, mas acho que consigo. Me garanto na corrida, ta ligado? - Ele fez uma careta dobrando um pouco o pescoço tentando piscar, mas era mais uma torção facial que qualquer piscada.
- Hehehhe tô ligado... - Não fazia ideia do que estava afirmando.

O chefe da cosinha vinha meio rápido com uma cara de brabo.

- Chegou de brincadeira aí? Tem muita mesa pra arrumar porra, vamo lá.
- Feito.

O garoto atirou a bituca a meio metro do lixo e foi pra dentro mais depressa que pode num nível antes do da corrida. Ele se virava para entrar pelo arco da porta quando chefe comentou ainda de boca fechada.

- Fica de olho nele, qualquer coisa me avisa.
- Aha.

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Por alguma razão ele achava mais interessante usar palitos de fósforo do que isqueiros, mesmo aqueles bonitos, os palitos de fósforo eram mais a cara dele, cabeça quente e corpo sem graça.
Depois das primeiras provas, depois de uns meses de estudo e de alguma dedicação, ele acabou logrando de passar e entrar para a polícia. Não foi difícil, quer dizer, existia uma série de decorebas que ele nunca gostou de praticar mas eram necessárias para o cargo, também seu fôlego era no limite necessário para as provas físicas, o circuito e a corrida. Pensava consigo que jamais iria precisar sair correndo dessa forma enquanto estivesse armado.

domingo, abril 22

Ainda tinha queijo

Acabo de comer um queijo colonial temperado com temperinho verde, alho e alguma outra coisa meio forte que não lembro o nome. Junto de uns pães e nanseiq, virou torrada e foi pro buxo.

Agora, aqui. Rock. Velho rock, alguns olham meio "que nerd imbecil... trazendo note"

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junho/julho (talvez agosto) 2009
Foi revisando, depois de mais de anos do início deste ali de cima, que acabei por publica-lo.

quinta-feira, abril 19

Mulheres

Odeio as mulheres. Todas elas.
Todas com esse charme, essa proposta de carinho e aconchego, afeto, atenção e simplesmente sexo. Nos agarram pelos bagos, desprevenidos. Estamos ali, tranquilos, seguros e confiantes até chegar uma dessas, talvez sim, a confiança até mesmo aumente, mas é uma consequência do desejo que aquelas formas nos despertam, aqueles olhos, as vezes puxados, as vezes claros, quem sabe escuros. Uma voz soa com fundo de harpa, estilo sereias, do tipo venenosa mesmo. Roubam amigos e também famílias, deixam mães solitárias e preocupam os homens a cada passo mais distante.
Odeio todas essas mulheres, das belas as feias, até as feias feias. As magrelas, as gordelicias até as gordas. Tem aquelas mais burras que acho que até não odeio tanto, pois com sorte sua burrice supera a nossa quando em tal presença.
Olhando de longe, inocentes, inofensivas e indefesas, mas é numa dessas que tu é nocauteado, quando menos espera parece que roubam a importância das coisas, tomam lugar dos deuses e passam a ser o primeiro plano de tudo. Malditas mulheres, sempre tão atraentes que me revolta. Tudo seria mais fácil se fosse pura perpetuação da espécie, mas não...

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Ela me atrapalha
magnífica visão que
provoca vírgulas,
nos mais claros pensamentos.

segunda-feira, abril 16

Entre as teclas pretas - ácido

Funciona assim, ele baixa a cabeça, os pés batem contra o chão e o som entra direto pelo peito, sem nem passar pelos ouvidos. É gutural, vem assim meio grosseiro, meio rouco, o sangue vibra nas veias e os olhos cerrados dão voltas em suas órbitas.
Vai deixando assim, a química explode no interior e produz toda adrenalina, no momento que estoura um agudo daquela guitarra ele para e por instantes vê cores produzindo brilhantes flores que desabrocham umas sobre as outras, num infinito sonoro, ao passo que são borradas pelo bumbo e o chipô faz aqueles traços leves e finos em pétalas coloridas. O silêncio traz o preto, que aos poucos num tamborin vem erguento clarões, flashes de pessoas que dançam e se movem sem sentido, são sombras, estão camufladas no som até que o prato brilha, mostra o jardim.
O vocal rouco faz as letras sairem desse teclado, que junto com a guitarra e o bater da bateria faz a cabeça explodir em cores, uma gravação meio forte, rasgando garganta e estridente guitarra, tem uns berros no fundo, eles dão tons de marron a paisagem, o vendo dança com as árvores e elas sorriem, por alguma razão existem cobras pelo chão que parecem ondas sonoras vistas num osciloscopio, elas correm mostrando o som, são tantas entre aquelas pedras pintadas de tudo, a bateria acelera, junto com coração, já suando, a mente planando por cima do vale cheio de sentimento, a guitarra se estende, e cai, como de paraquedas, sim ele pulou, é o vento, está descendo, ele solta, ele corta o paraquedas ele vê o chão correndo rápido reto freio, até o impácto, quando ele se solta do corpo e explode vermelho no chão.

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ainda encontro ela, maldito shuffle

sexta-feira, abril 13

Fumaça Parte 1

Era novo naquela cidade com mar. O mar era novo para ele. Gélido, azul lindo, coisa nova para suas vistas acostumadas com asfalto e cigarro. Falar em cigarro, olhou para o teto e soltou outra baforada.
A fumaça talvez dissesse o que fazer, o que fazer da vida, mas não. Vinha o vento, feio, limpo, tirava suas previsões do ar, limpava seu teto até que voltasse a se desfazer da tragada naquela direção.
O cigarro não fazia parte de sua vida, começou a fazer depois de um acidente de carro na várzea grande onde seu irmão mais novo morrera.
Coisas da vida, ele era novo, o guri, mais ainda.
Fez carreira na polícia. Não por vocação, se não que por falta de opção. Pensou consigo. Queria poder fumar a vontade... claro, polícia. Começou no trânsito, e de multa em multa, descobriu que gostava de mandar, de ser a ordem, ser a lei. Nunca fora organizado, mas com a lei... ah, a idéia de lei lhe mudara o caráter. De um nada fumante para um qualquer fumante.
Sim, ele era viciado...