segunda-feira, maio 14

Maio 1

No final das contas, sempre voltava sozinho, seja como fosse, sempre sozinho. Ele tinha isso em mente onde quer que fosse, com quem quer que estivesse, era um vento frio, um lobo solitário que se forçava a ser, uma carcaça de bezouro velho, rolando bosta, estrada a fora, cego, andando de costas.

Assim que tentava fazer as coisas, sempre sozinho, na solidão forçada. Não era arrogância, não era nada desse tipo de coisa. Era simplesmente ele, meio que tentando ser alguém, por que ainda não sabia bem quem era. E de fato, nunca saberá, talvez depois, quando morto, quem sabe de cancer. Talvez assim ele vai saber quem foi, mas de novo, não vai ter certeza da pessoa que realmente ele é. Os de fora que apontem, que lhe mostrem o dedo na cara e digam, e julguem. Ele tenta se externar, tenta buscar um espelho capaz de mostrar a realidade a ele e tudo que ele consegue é mais um fardinho de cerveja. Pensa em mudar de assunto, em falar que a cerveja lhe coloca nas nuvens, o faz falar mais, o faz se abrir se soltar das amarras que ele criou para se protejer. Chega de cerveja, não, não assim, chega. Mas calma, vamos manerar. Isso foi algo que ela ensinou, a calma, a conciencia. Moderação. Ele é tão exagerado que quando modera, até nisso exagera, tudo se torna moderado e monótono.
Buscou mais uma cerveja pra quebrar paradigma. As coisas estão mudando, os ventos da mudança chegaram novamente.

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A tarde bem dizer já havia terminado, estavam ali atrasados, mas de cuia na mão e dispostos a fazer um momento bacana. Os caras que sabem tocavam violão, ele curtia aquela música, gostava de ver como acontecia a mágica, como que os movimentos, o sangue das pessoas se transformava em som.
Vento frio batia, o sol aos poucos ia se deitando por trás das árvores muito além do guaiba.
Conforme o tempo foi passando, umas piadas falando e uns sons se tocando, ele foi vendo aquela primavera da juventude. Ainda não se acostumou com ela, é um pouco deslocado, não sabe se pode se permitir fazer certas coisas, curtir determinadas coisas. Talvez seja só ele que insiste e que não vê, que o novo sempre vem. Boas risadas, muito boas, a história de merda quase o infartou, o humor negro sempre muito cômico, mesmo com as velhas piadas, é sempre alegre, sempre cruel e divertido. Ele reparava nos vultos atras deles, de longe a fumaça de churrascos de gato e provavelmente rato também, de tantos que ali havia. De longe, uma usina desativada fazia uma bela cena, as luzes iluminavam a noite, afuscando as estrelas que sabe-se bem, na cidade nunca são as mesmas.

Talvez estrelas ali fossem aquelas pessoas, reunidas, sem muito, nada de mais, simples, só umas pessoas trocando um tempo de suas vidas.

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Ele num café, bebericava de leve, estava quente e a lingua pedia um beijo. Aqueles labios vinham doces para os novos. O amargo do café, o doce chocolate. Aos poucos conhecendo mais, aos poucos gostando mais e se envolvendo, se montando uma história, delicada, meio confusa mas nem tanto. Cada vez mais certa. Não eram juras, a principio, não serão juras, mas realidades, se troca uma experiencia, uma expectativa bem clara, sem muito adorno. Cada novo beijo, uma nova lembrança marcada, uma vida mudando na outra, e aqueles quatro olhos claros sem certeza de nada de um jeito ou de outro sabem, que estão sempre certos no calor que o inverno tras em cada abraço.

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