quinta-feira, agosto 23

uma semana de atraso

Infelizmente com muito atraso que venho escrever por estas bandas, tanto digitais quanto principalmente locais mesmo. Agora deve fazer uns 0º ali fora, vejo o quarto bagunçado com minhas malas ainda no chão, a cuia ainda com a erva do mate que tomai durante a noite no bar, as cortinas bem abertas como gosto de ver a paisagem que me agranda durante a manhã. É o primeiro dia que durmo como gente, comprei hoje um conjunto de lençois e finalmente não preciso usar meu saco de dormir. Não que fosse um problema, gosto dele também. Mas parece que agora está mais com cara de meu quarto. Vamos as minhas visões, a partida, aos dias que seguiram.

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Aquela noite havia sido boa, era de alguma forma uma prévia da saudade, uma vontade de fazer melhor e direito cada detalhe. Bom, foi uma noite de bom sono, de qualquer forma. Um despertar delicioso, ao lado de alguém que se ama, é um negócio incrível, a gente se sente alegre e tranquilo, mistura-se outros sentimentos mais, e no final das contas é tudo muito bom.
Deixei ela no trabalho meio que correndo, queria dar uma última voltinha no fuscão, mas era tarde. A corrida pela manhã ainda para cuidar de minhas coisas, e ainda antes de sair aquela velha raiva por tratar-se de uma espécie de problema com minha irmã. Nesse ponto, fico brabo por meus velhos, que não mudam e seguem iguais como velhas pedras. Bom que posso fazer, é melhor ir embora nesses casos, para evitar colisões. Bom, assim foi, buscando ela no trabalho, claramente a família agitada, ansiosa, louca.
Estivemos por ali, avião, comemos fora, ajustando as coisas, aquela velha preocupação da família, aquela dificuldade que se tem de sair do ninho. São boas aves, mas não nos deixam voar, nem de avião, de maneira independente, de alguma forma, a simples presença já indica o estilo de criação e comportamento deles. Gosto disso, mas não mais. Hora de partir, pular do ninho e tentar voar antes de morrer numa poça de sangue no chão.
Aqui, antes do voô, antes de ficar realmente sozinho, vi aquela situação aos poucos acontecendo. A cena do filme, a mocinha chorando. Tão linda, não queria que borrasse sua maquiagem. Não chorou, não houve cena. Fiquei feliz com isso, sabia que ela estava mentindo, mas queria pensar que ela estava tranquilíssima e segura com tudo. Não que não estivesse também, mas é diferente pensar nisso sem a parte dura que se sente.
Senti o nó no peito e passei pelo arco detector de metais. Fiquei mareado. Buscando enxergar os rostos de quem estava ali, dando instruções de como proceder para a próxima sala, quase como uma quest. De alguma forma, um teste? Não sei. Fiquei tonto, senti o mundo girando por instantes. Essa é bem a verdade, a criança perdida. Os últimos contatos por telefone... me senti chorando por dentro, que mocinha. Acabei me apaixonando por ela. Fazer o que? Não sei se é possível escolher essas coisas.
A primeira parte foi aquela sala de espera inicial, ainda em porto. Muita gente conversando alto, umas pessoas em pé, muitas sentadas. Ali uma primeira espera, até que finalmente se chamaram para o tão portão 1. Não sei porque dão nome de portão a uma coisa dessas. Bom, ali havia a organização de ficar tais números de cadeira do lado esquerdo e tais número do lado direito. A moça que avisou pelo interfone não soube pronunciar muito claramente e os velhos acabaram se confundindo. Fiquei ali, e no final entrei, tudo certo, avião não demorou a decolar. Conheci uma velha bacana, engenheira de não sei o que que estava indo a bariloche. Era velha mesmo, feia e tal, era daquele tipo que tinha todo o medo do mundo com turbulências, enquanto eu ria, ela chorava. Muito engraçado.
Na argentina chegamos a tempo, tudo certo. O capitão dessa tal aerolíneas não falava muito, era bem objetivo e nada claro, pouco que ele falava, menos ainda se entendia, independente do idioma. Quando descemos do avião na argentina um onibus nos esperava abaixo. Descemos numas escadas ao lado do avião e entramos nesse meio velho meio sujo onibus. Não demorou e a antipatia de uns se aflorou quando ficamos em mais uma fila esperando pelo representante da policia internacional para seguir para a sala de espera. Achei engraçado que depois de antes a mais de tres mil pés de altitude, com uma velocidade espantosa, ainda tivemos que subir quatro lances de escadas para chegar a sala de espera internacional, ai aonde fica o duty free e um café extremamente caro. Bom, cadeira, jogo, comida na mochila, jogo, cadeira. E finalmente ao chile.
O segundo avião era minúsculo. Parecia um onibus, de verdade, um airbus. Mesma situação anterior, o voo tranquilo, não conheci ninguém, só tomei uns quatro cafés no avião. Não demorou e me vi saindo por quase as mesmas portas e chegando ao mesmo lugar no chile. Se desce umas escadas da parte internacional e se vai para a policia de imigração. Boas memórias, a alegria infla o peito, é uma aventura nova, um conto novo. Mais um capítulo da vida aparecendo na minha frente.
O poema acabou no momento que fui buscar as malas, de longe encontrei as minhas, completamente diferentes das outras malas pretas, exatamente como eu havia afirmado, mas fazer o que? Velhos são velhos.
Um abraço no primo e um beijo na bochecha de sua amada. Uma saudação, uma corridinha até o carro. Mal falei qualquer coisa sobre a viajem e quando me dei conta chegamos no bar. Sim, simples, fácil, de cara eu já gostei. Comprimentei um par de pessoas que visivelmente não gostaram de mim, pensei imediatamente, claro, o dedo duro, o cara que serve apenas para contar aos patrões o que eles fazem. Que se foda, não sou nada disso, mesmo que seja, nunca faria dessa forma crua.
Ao fundo do bar uma porta, dentro uma especie de comodo, ali do lado uma churrasqueira pequena onde alguem fazia uma carne na grelha. Carne viva, visivelmente mal passada. Comi um pouco e conversei um pouco, já estava vendo o quanto se enferruja uma orelha.
Me doia a cabeça quando cheguei no quarto. O cheio de velho do closet, o colchao escorado na parede. Larguei minhas malas, já era quatro ou cinco da manhã, e sentia que isso acabaria sendo mais seguido do que o imaginado. Num saco de dormir, e uma coberta grossa por cima disso, junto de tres travesseiros velhos marcados de baba na fronha, durmi, como uma pedra e felizmente não pensei em mais nada. O outro dia chegava.

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Só aquela saudade da pequena, dentro do saco de dormir aquela coisa, de que poderíamos, de alguma forma ficar ali, juntos no saco. Acho que lembrei ou inventei alguma história com saco de dormir e fiquei com ciúmes por absolutamente nada. Fiquei ali, esperando dormir... fiquei. Dormi. No colchão, no chão no saco. Fazia muito frio, mas estava bom, sentir-se só. Também é bom, de vez em quando.

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