sábado, setembro 1

primeiros dias e a feira

A chegada foi bem rápida, nem deu tempo de pensar, já estava no bar bebendo cerveja importada e fumando coletivamente. Conheci superrapidamente as pessoas que hoje me parecem bonecos com caras nubladas em minhas lembranças. Lembro de parecer uma eternidade até poder chegar em casa pra dormir. Foi assim, casa velha, bacana. Caixas dum lado e do outro do quarto. O closet cheio de lembranças da família e alguns lixos inorgânicos. Tirei o colchão da parede e repousei-o entre minhas bagagens. Saquei o saco de dormir e pulei pra dentro, num estante estava passando o frio, e aos poucos me aquecia.
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Ainda não tinha caído a fixa quando acordei nesse outro país. Já era umas onze horas, horário de brasília, fiquei no saco até não aguentar mais o calor. Sim, o frio havia passado, o sol na janela esquentou o quarto pouco a pouco e acabou por despertar-me. Não demorou, levantou. Pra tomar o primeiro banho foi complicado, essas casas chilenas possuem todas água quente a gás, dessa forma que exige alguma habilidade para regular a temperatura da água, sem falar que qualquer toque em alguma saída de água na casa, muda a temperatura drasticamente. Demorou, mas atingiu o climax da água. Tomou-se um belo banho, demorado e quente. Poderia dormir denovo ali. Sensação boa.
Não demorou e acabou por conhecer a dona da casa e sua empregada. Alguma conversinha, ainda o ouvido doendo para se acostumar com as palavras, quer dizer, para encontrar as palavras. Era quinta feira, jueves. Não demorou e foram para o bar, o sócio, Matiaz estava lá, a primeira impressão é de um cara muito bacana. Nas semanas seguintes confirmei a impressão.
Pintamos o chão da parte dos fundos do bar, e mais perto da noite colamos uma parte do carpete-gramado-instético que eles botaram por lá. Trabalho bom, pro nível do bar, ótimo. Nova cara para aqueles lados.
A noite era praticamente ficar por ali e dormir um pouco em casa, por volta das quatro da manhã. Muita cerveja e bebidas para todos. Me regulei e tomei pouco mais de três cervejas. A dormida foi ótima, no mesmo saco, cobertor e uns dois travesseiros velhos. Tranquilo, eu gosto de dormir no chão.
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Acordei tranquilo, tentei manter alguma ordem em minhas malas e fui ver o cara do quarto do lado. Aparentemente uma viajem surgia, uma viajem para uma feira de cerveja artesanal. Foi um convite e já senti como um teste. Na real, sinto que tudo é bastante um teste. Meio que pra tudo, idioma, segurança pessoal, comunicação, negócios, relacionamento, etc. Bom, não demorou e saímos de casa com as malas prontas. Mochila para três dias, disse o Juan. Bueno, ajeitei o que podia. Logo me arrependi de não ter trazido shampo, sabonete e todas essas coisas de cuidado pessoal dentro da mala. Tanto na mala pro país, quanto na mala de três dias. Mala pronta, tudo no carro, fomos buscar mais três caras. Muita animação e conversas altíssimas. Eles adoram gritar, é isso o que parece. Adoram.
A noite veio chegando enquanto nos encaminhamos para o norte do chile numa RAV4 2012, uma caminhonete Toyota bem boa, tipo carro de mãe. Não demorou e fizeram troca de motorista. Estava louco pra dirigir, mas ainda muito cansado, mesmo com a baderna no carro, logrei dormir um pouco, deveria ser uma meia noite quando acordo com um novo cd de músicas caribenhas.
Paramos em Los Vilos, uma cidade produtora de coisa nenhuma, servindo apenas como abastecimento para tragos de viajem. Compraram suas coisas e eu me compre quatro cervejas. Mal sabia eu que nem ia tomar nada. O pessoal animado e ficando borracho, a cabeça doendo um pouco e o cansaço batendo forte. Tentei dormir o resto do caminho, mas no final só consegui descansar os olhos e ficar como um pêndulo em cada curva. Não vi muito das ruas, fazia frio e muita neblina em certos trechos.
Quando nos aproximamos, o pessoal meio que se despertou, já havia passado a euforia do carrete e já estavam por comer alguma coisa, devia ser umas quatro da madrugada quando finalmente chegamos na casa de um amigo de alguém. Alojamento para todos, alegria. mal entramos e beleza, não tem cama para todo mundo. Felizmente dois levaram sacos de dormir e por consequencia ficaram na sala cada um num sofá relativamente pequeno, considerando suas guatonas.
A maioria das casas aqui tem um ar de velho, sujo e pó. Acho que o clima faz isso acontecer, ou talvez todo mundo aqui simplesmente não liga muito pra isso. Bom, eu sou chato para essas coisas e cada canto de cada lugar normalmente é bem sujo, aqui, só se limpam os meios, os cantos permanecem imundos.
Cama velha, roupa de cama com cheirinho de mofo recém nascido. Delícia de sono, é bom dormir numa cama.
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O primeiro dia foi resumidamente péssimo. A feira deveria começar as quatro da tarde, entretando nesse horário não tinha nem luz nos estandes. Foi bastante trabalhoso tirar tudo do caminhão, ajudei o máximo que pude, prefiro fazer alguma coisa que ficar parado.
Como não suporto ficar parado e já que os organizadores da feira fizeram merda cancelando as coisas sem avisar os cervejeiros, tudo foi montado tardiamente enquanto o público tentava entrar e os pequenos seguranças com coletes amarelo/verde fosforescente os continham.
A abertura dos portões praticamente não mudou nada, no primeiro dia não vendemos muita coisa e era um puro tédio ficar por ali. O pessoal atrás dos balcões normalmente ia de pouco a pouco tragando mais cerveja e pouco a pouco más curados.
Meu espanhol mal saía da boca e quando saía, saía mal e gaguejando palavras utilizando vogais como tempo para pensar. Ahhhh... Ãmmmm.... é..... és....
Dia bastante trabalhoso, montar tudo, limpar as coisas, um pouco antes de colocar. Um pouco, visto que limpeza não é nem de longe uma preocupação. Eu sei feira tem que ser bem prático, bem rápido, mas bah, é demais. É bastante cansativo conversar, requer muito exforço, escutar tudo e interpretar na mesma língua e ainda responder.
Nossos compadres terminaram o dia reclamando horrores e igualmente bêbados. Me mantive sereno, bebi bastante mas de pouco a pouco, asi que me quede bien no más. Só pra variar, eles queriam sair de noite antes de ir pra casa, eu entendo, amigos bebidas, amigos. Por alguma razão acho esses caras meio infantis, será aquele velho antiquado falando? Bom, eu fiquei faceiro em minha cama, que dessa vez estava com roupas de cama novas e cheirando a algum sabão barato. Queria só descansar e ainda não estou muito a vontade para dar essas saídas e realmente me divertir entre eles. Esses primeiros dias estava bastante tonto, informação demasiada e correria.
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O sábado foi ótimo para as vendas. Bastante gente, conheci alguns estrangeiros da colombia bem bacanas, uma sueca/alemã, uns caras dos states, inclusive uma guria de porto que estuda enredaderas, haha.
No primeiro dia de feira havia almoçado no porto, onde fica vários mercadinhos, um ao lado do outro. Num deles havia uma escadinha estreita a qual levava a um ambiente melhor, sem fedor de peixe. Vista do lugar era bem feia se pensasse nas proximidades, tudo bem sujo e velho, telhados baixos e cheio de coco de gaivota. Belos tons de branco e cinza. Imagino que um bom marinheiro deva ser assim, sem aseio mesmo. Nesse segundo dia, acabamos comento pastel, estavam ótimos foram trocados por cerveja com os guriz do outro lado da feira que os vendiam loucamente.
Servindo altos chopes, sempre chamando gente e tentando vender e vender e vender, mas mesmo com um dia bom, não foi nada lá muito incrível, segundo o John.
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O terceiro e último dia era um domingo belíssimo, um sol que brigava com o vento tentando esquentar as coisas enquanto o vento seguia soprando uma boa brisa vinda do mar. A casa era uma desordem completa, somente homens e baderneiros, era de se esperar. Inclusive, antes de sairmos, a velha dona da casa chegou braba e largou a voz em cima de John e eu.
- Porque pra mim, eram pessoas que não bebiam e nem fumavam, que não iam deixar minha casa nesse estado. Fiquei apavorada quando cheguei aqui e ví essa baderna toda. Então é o seguinte, fui obrigada a chamar uma tia para limpar as coisas e vou ter que adicionar cinco mil pesos a mais no valor para poderem ficar, pois dessa forma não é possível!
Nem discutimos nada, a velha certamente compraria briga e acabaríamos tendo que sair e procurar outro lugar, e tão barato, talvez fosse complicado. Nem relutamos e decidimos por todos sem pestanejar muito. Cinco mil pesos mais e pronto.
Último dia estava aquela coisa já chata. Enjoado do cenário, de repetir as mesmas coisas. Sem falar que no começo a tal da máquina simplesmente parou de funcionar e nos deixou na mão. Por alguma razão divina ela voltou a movimentar a água por conta própria. O movimento era fraco e trabalho mesmo foi só no final da feira. Desmontar tudo e carregar o caminhão.
Havia dois caras que chegaram de intrometidos quando estávamos descarregando o caminhão no primeiro dia, eles simplesmente entraram de penetras e começaram a nos ajudar a descarregar e carregaram as coisas para todos os lados. Consequencia disso, ganharam muita cerveja de todos e muitos amigos por conta da ação. Para subir as coisas para o caminhão, os cervejeiros se uniram numa vaquinha para paga-los para subirem os barris. Los barchenetas foram de grande ajuda, e assim como eu e os mais ativos, trabalharam bastante carregando tudo que é coisa de volta para o caminhão. Subir os barris cheios é um inferno. Acho que são 64 quilos, cada barril e não é muto fácil de manuseá-los.
Final do trabalho renderam alguns calos nas mãos e um orgulho de peão, além de uns trocos que nem esperava receber.
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A segunda tinha cara de domingo, tirando o movimento da cidade que declarava a atividade econômica bastante ativa. Andamos um pouco de carro pela cidade apenas para conhecer um pouco antes de ir. Fiquei no banco do carona e tirei as fotos que pude, bons lugares para se visitar.
Começamos a viajem relativamente tarde, era umas três ou quatro horas quando saímos de Coquimbo em direção a santiago. Todo mundo bastante cansado do trabalho, de dormir tarde e bêbado, de acordar cedo e dores de cabeça, talvez só eu dentro do carro não tivesse esse problema de dores de cabeça, os outros se  drogavam logo pela manhã. O Oscar (haha) estava dirigindo, era um tiozão que foi piloto das forças aéreas do chile, e fez um pouco de cada coisa e visitou muita coisa em sua vida. Devia ter uns cinquenta ou sessenta anos de idade e era bastante ativo. Além de ser fumante adicto.
A volta foi assim de lúcida, tirando fotos e observando os lugares. Logo no começo da viajem, John reclamava do carro que estava puxando para um lado. Haviam placas indicando que havia vento pelas proximidades e várias bandeiras brancas postas nos dois lados da pista esticadas como corda de violina, mostravam a intensidade do vento.
Paramos três vezes, uma para o Oscar fumar. Era um mirador, aproveitei para tirar umas fotos, inclusive uma panorâmica que acho que ficou péssima, perto do que tenho na cabeça. Outra vez paramos para comprar uns sucos e coisas artesanais que se vendiam por ali. Detalhe, artesanais mas quando cheguei e pensei que tudo seria escrito a mão, me dei conta que não eram artesanais coisa nenhuma, eram apenas produtos típicos da região mas igual de industrializados. Comprei uma espécie de refrigerante de maçã. Gostei, mas enjoa rápido. Última parada antes das casas do pessoal foi num negócio onde se vendiam dulces de la ligua, ou algo assim. Eram doces de uns seis tipos que eram tradicionais no chile. Comprei um saco cheio de todos os tipos deles por dois mil pesos, equivalente a dez reais. Interessante que todos os caras e tias por ali com cestos grandes vendiam os mesmo doces... Cartel?
Chegamos em casa bastante tarde, depois de deixar todos eles por seus lados. Ainda nem chegamos em casa, já estávamos no bar, e pra variar, bebendo mais umas que outras. Sim, a cerveja é boa. Não demorou e cansaço nos alcansou, acabamos em casa. Dormi como uma pedra, entre caixas e malas e uma cama sem lastro.
Parece que ainda não cheguei, ainda ando viajando.

Um comentário:

Anônimo disse...

É assim que nasce um escritor...