quarta-feira, julho 23

Nem um copo d'água

De novo a janela estava aberta em uma noite de inverno. Agora era outro ano, e a cabeça estava girando para outros lados, para outros rumos. Finalmente descobrira que seu pé era igual ao do pai. Doente de nascença. Problemas dermatológicos começaram a aparecer e agora ele coçava os pés sem parar enquanto olhava a janela de ponta cabeça.
O vento estava uivando quando ele pensou sobre os detalhes do "pinóquio às avessas" de Rubem Alves. A questão era sobre o tipo de educação, sobre a progressão escolar de um indivíduo chamado Felipe, que desde de pequeno, gosta de pássaros e quando pequeno sonhava ser especialista em pássaros. Não, nada de veterinário, não de cuidar, mas de SABER de pássaros.
Felipe desde pequeno não entende direito o que é a escola, e como toda criança sadia, tem coceira na cabeça, coçando curiosidade ele pergunta tudo o que pode para seus pais, que como todo bom pai, nos tempos de hoje, responde como pode, inventa algumas coisinhas engraçadinhas para crianças e também contam que as coisas são assim porque assim são. Aquela resposta de sim, porque sim.
A promessa de sua vida começa na escola, quando ele deve começar a frequentê-la e estudar como todos. Segundo seus pais, suas professoras e professores saberão responder as perguntas que eles não conseguem. Ao se deparar com perguntas simples sobre filosofia, tais como: "Por que eu sou eu e a borboleta é a borboleta?", os professores se vêem no mesmo problema que os pais dele, de modo que ou fojem do assunto (afinal é apenas uma criança bobinha fazendo perguntas de crianças) ou dão uma resposta inventada na hora normalmente absurda.
Aqui vou cortar o resto do livro e meter meus próprios comentários a respeito das coisas que ocorrem hoje em dia...
Se pararmos para pensar adequadamente, a escola é como uma prisão, mas muito pior que uma prisão comum, ela aprisiona idéias, aprisiona desejos. Pense bem. Temos de aprender, logo depois de ler e escrever, do básico de matemática, a respeito de história, geografia, ciências, matemática um pouco mais aprofundada, regras de linguagem, etc... Tudo conforme alguém um dia ordenou, ou julgou, que eram necessárias para o crescimento de toda pessoa dentro deste país. Muito bom, temos um mínimo a aprender definido, onde tudo que consta no programa de estudos deverá ser o conhecimento básico de toda a população.
Agora pense de verdade. Você lembra das regras de português? dos nomes de todo mundo de história? dos detalhes do solo de cada região? de como é o formato de Butão?
Lembra como se trata uma fração com raiz no dividendo? E quando houver mais de uma? Diferentes radicandos, o que tu fazes?
Certamente não lembramos de tudo, lembramos do que gostávamos e também do que mais usamos nos dias atuais. Agora, se simplesmente não utilizamos aquele conhecimento de anos de estudo, para que aprendê-lo? Curiosidade? Mas não foi essa a razão que nos levou a aprender aquilo tudo, foi a obrigação.
Dentro da escola, nós devemos aprender aquilo que nos ensinam, e normalmente não se deve desperdiçar tempo em outros temas. Certo que um professor sempre gosta de um assunto diferente para comentar, uma notícia que comoveu o pessoal ou algo do gênero, mas quando que se utiliza um semestre inteiro para aprender sobre um tema que é de curiosidade de um aluno?
A sociedade exige isso. Como passar em provas classificatórias de ensino médio sem saber essas coisas? Como avaliar as pessoas se não temos um planejamento completamente estruturado, com ponto de início e fim precisamente decididos, com carga horária de cada tema abordado e notas distribuidas uniformemente para cada professor avaliar seus alunos? Como avaliar? Como dizer que determinado guri sabe (ou não) o mínimo de tudo e está apto a realizar determinado tipo de tarefa?
Eis o problema: A avaliação. Tudo fica fácil sem ela, afinal, sem ela, tudo é como é, cada um sabe o que sabe e acabou, mas as notas, elas definem o quão bom alguém é. Não interessa nada além delas. Quem sabe é porque essa nota representa tanto que é por isso que sabemos das coisas enquanto estudamos. Quando saímos da escola, tudo o que passou, passou. Não efetivamente sabemos tudo que estudamos, nem mesmo aquilo que representa a nota. Sabemos o que nos interessa, ou o que por ventura nos marcou.
Certo, certo... agora... porque diabos é necessário apontar os aptos a determinadas tarefas? Porque dentro da cidade, dentro da sociedade que existe por volta de nós. Nascemos no meio dela, não temos como mudá-la, acabamos acatando as exigências dela para fins de sobrevivência. Uma das necessidades da sociedade atual, é antes de mais nada, dinheiro. Precisamos trabalhar (isso exige no mínimo conhecimento). Além disso. As pessoas que ganham mais dinheiro (nossos chefes) precisam de pessoas que saibam fazer as coisas (mais conhecimento) que outras pessoas (chefes deles, ou clientes deles) vão comprar. Assim circula o dinheiro... Assim o mundo tem girado e feito alguns milionários... outros apenas sobrevivem. Mas é, assim que tem que ser, né? A sociedade evolui e as coisas precisam ser dessa maneira. Não quero nem pensar em como mudar isso, só vou torcer pra me tornar um dos milionários.
Antes de prosseguir, preciso salientar que essas coisas só se tornaram necessárias em massa, ou seja, conhecimento em massa, ou padrão mínimo de não burrice, porque as coisas começaram a ser necessárias em massa, vindo da insdustrialização dos protudos, depois a massividade de comunicação, os tempos começaram a andar mais rápido...
Bom, tirando essa parte fora, agora já sabemos porque precisamos dar nota.
Pois bem. Voltemos. Antes de precisar disso, antes das escolas, antes, bem antes... eu quero o período que mais me agrada em relação a educação. O período feudal. Nada de dragões, nada de reis, nada de espadas. Apenas folhas mais grossas normalmente fora de padrão de cortes e algo como tinta e um graveto ou pena para desenhar sobre elas. O período feudal (ou talvez, antes do período feudal, pode ser que eu esteja falando bobagem, mas é apenas porque não lembro de tudo que aprendi na escola a respeito desse período histórico) não possuia escolas. Os mais bem afortunados eram os que tinham a habilidade de ler e escrever, de somar, dividir. Era um período que as pessoas não tinham obrigação de saber para poder viver, elas apenas precisavam carregar coisas e saber se alimentar todos os dias. Saber no sentido de dar um jeito de arrumar comida. Suas preocupações provavelmente não iam muito além do mínimo para sobreviver, literalmente, o mínimo.
Alguém poderia começar a fazer botas, bastaria conhecer algum fazedor de botas, ou tentar inventar seus próprios métodos de fazer uma bota. Outros alfaiates, outros pintores, outros pastores, outros poetas, outros outros outros... Tudo que era necessário para a existência das pessoas estava numa pequena comunidade, onde normalmente as tarefas eram passadas de geração em geração. O que provavelmente não impede de se aprender coisas diferentes, buscar sábios de montanhas, buscar mestres consagrados pelos sete mares, em fim, as pessoas que sabiam fazer bem o que faziam eram conhecidas, eram requisitadas por suas habilidades, e normalmente, delas, se sustentavam. Como cada um poderia começar a trabalhar? Certamente podemos pensar em lindas histórias para isso.
Um jovem garoto abandonado que encontra um velho que sabe fazer cerveja vai aos poucos descobrindo com a ajuda dele, os mínimos detalhes de uma boa cerveja. Um bom carpinteiro sabe como começar a serrar a madeira, com o tempo tem a noção de tamanho das coisas, a noção de força suportada por cada tipo de madeira, em fim, cada um vai aos poucos aprendendo na pratica, na vida dura onde a condição física é mais importante, pois sem corpo para trabalhar, o mundo não girava.
Este tempo que tentei citar acima, é o tempo perfeito para crianças. É o tempo das crianças, eu diria. Morriam de fome, morriam por partos mal feitos, por doenças de todos os tipos, por animais selvagens ou mesmo ordens de algum superior local. Mas todas as suas curiosidades poderiam ser respondidas bastando a criança se aventurar em busca de suas respostas. É insano, é sim, mas olhe pela janela, e pense um pouco além... também não é insano? Vamos todos morrer, melhor morrer descobrindo o que se quer descobrir que decorando o que nos dizem para decorar.
Não, não se trata de que hoje não se possa aventurar em busca das nossas respostas, mas o fato é que hoje, não temos de aprender coisas, obrigatoriamente, temos de aprender dentro de um limite de tempo, não importa se para alguns seja desperdício de tempo, ou se para outros seja quase impossível, o fato é que não temos a liberdade vinda de casa a respeito do conhecimento, não temos mais o livre arbítrio do pensamento no começo da composição cerebral, nós temos que ir a escola e passar na escola. Nós temos que aprender isso isso e aquilo, ponto final. O resto é curiosidade, é algo que não valhe nada, nem um copo d'água.

Nenhum comentário: