sábado, janeiro 19

Cinco

O caminhão com as novas mesas do restaurante havia chegado. Eram cadeiras de madeira simples, provavelmente daquele tipo reflorestado, uma aparência meio frágil misturada com tom de nova recém fabricada. As mesas passavam a mesma impressão formando um belo conjunto.
Ele ajudou a descarregar, era só um garçom, mas seja como for, trabalho é trabalho e não gostava de coçar o saco enquanto outros se esforçavam. Foi de pilhas em pilhas e finalmente retiraram todas as cadeiras. Agora faltavam as mesas. Foi uma, uma das frágeis emperrou, o imbecil que havia começado a pouco tempo acabou forçando e arrancou ou desmontou uma das pernas da mesa. Chefe gritando, e porque isso e aquilo mas no fim retiraram tudo.
Ele ficou no caminhão vendo se faltava alguma coisa e no fim do container encontrou uma espécie de barra de aço fina. Sólida. Era de mais ou menos um metro e havia uma mancha na ponta, misturada com sujeira. Tomou a barra nas mãos e imaginou que poderia ser da estrutura de alguma mesa, quando virou para perguntar, o motorista apareceu, quase que como uma sombra atrás dele já em cima, interessado no assunto.
- Opa! Posso te ajudar?
- Não, sim, quer dizer, acho que faltava só essa.
- Ah não, é que essa eu venho trazendo. É minha.
- Ah bom, sem problemas.
Passou a barra de aço nas mãos do homem e o mesmo limpou a ponta, devolvendo-a ao local inicial, um entremeio da estrutura de madeira que faz parte do interior da caixa do caminhão.

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Rodar pela estrada era como fazer o sangue circular pelas veias. A vida de caminhoneiro era muitas vezes complicada e a solidão o fazia pensar de tempos em tempos. Pensar diferente.

Foi andando pela RS 239 ali pela altura de Parobé a Taquara que ele viu um rapaz vendendo melancias na estrada. Era final de tarde e o cara que vendia estava se preparando para partir já colocando o pouco que restou na carroça atrás dele.
- Opa, ainda tem melancia?
- Sim, claro, te faço por cinco pila, tão boa.
- Cinco... ta certo, será cinco. Aquela ali.
O rapaz deuse volta para buscar a fruta indicada pelo homem e quase de imediato sentiu sua cabeça pesada. Foi um golpo preciso em sua nuca com uma barra de aço relativamente fina. Primeiro de joelhos, em seguida aparagam-se as luzes.
Não sabia bem aonde estava, mas a dor era quase insuportável em seu pescoço. Não estava amarrado, mas era escuro o suficiente para não ser necessário esse tipo de precaução. Asustado com a situação, num terror alucinante se colocou de pé o mais rápido que podia mas não foi suficiente.
Os olhos ainda sem enxergar nada e veio o primeiro golpe. Direto na coxa direita, uma dor absurda, ele tentando encontrar alguma coisa pra se agarrar numa briga e nada. Os três seguintes foram em qualquer lado, louco no escuro se movia como podia mas a barra de aço era suficiente pra quase quebrar seus braços e seu peito. Foram uma sequência dolorida, um na altura do estômago que provavelmente trincou uma costela, em seguida vindo pelo outro lado, tentando se defender de qualquer forma, o braço direito atingido meio torto. Muita dor. o outro lado, na altura da cabeça, trincando um dos ossos no braço.
O homem bufava parado pronto para mais uma. O rapaz gemia de dor e se colocava de joelhos implorando por sua vida como podia, entre lágrimas e qualquer coisa que tentasse expressar.
Sem escutar nada, o homem desferiu o número cinco dos golpes, direto na cabeça, fazendo a barra de aço entrar alguns centímetros na cabeça do rapaz.
Um cheiro de sangue no ar junto com os típicos insetos da região, o homem estava bufando. Firme com a mão da barra de aço. Parado estático diminuindo sua respiração pouco a pouco.
De longe se via as luzes dos carros passando na RS, o homem suspirou e acendeu um cigarro.
O sangue voltou a fluir junto com as rodas.

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