domingo, janeiro 13

Terceiro dia

A ideia inicial daquela noite era se arrumar todo durante a noite pra sair rápido no dia seguinte. Celular despertou por volta das seis da manhã, naturalmente desliguei o despertador inconscientemente e acabei dormindo até umas oito. Apavorado pra sair fechei a mochila e juntei tudo o que podia pra ir direto tomar café e já sair correndo pra estrada. Qual minha surpresa ao ver o nível de café da manhã do tal hotel. Triste. O croissant frio que me serviram devia ter uma semana, ficou ali como peso para o prato não voar. Tomei literalmente só café, café e mais um café e só.
Saí de Paraná meio sonso parando numa Shell na saída da cidade pra garantir que fosse até Federal, eram por volta de 186km, segundo as placas, bom, segui em frente mantendo uma média de 120 km/h, era o apuro pra chegar. Até então em toda a viagem dentro da argentina passei por diversos postos de polícia e nenhum havia me parado. Segui tranquilo até uns 60km de Federal me pararam. Andava sem seguro, estava consciente, mas como ninguém me parou na aduana, achei que pudesse passar tranquilo. Pior erro.
Mostrei todos os documentos e ele pediu claramente o seguro. Não tenho seguro, me disseram que poderia passar pois não era possível fazer seguro no chile, era um argentino com uma moto chilena, então não tinha seguradora e blablabla. Não funcionou, só piorou. Veio ele com história de como é importante ter seguro e completando teria de pagar uma multa de 140 dólares. Alegria. Pensei, pronto me fudi, vou ter que pagar o troço ou o que, direto pros caras. Dito e feito, coisa que normalmente não se faz, é pagar diretamente aos policiais, pois foi assim, tentei enrolar dizer que tinha justo pra gasolina e poderia ficar empenhado. Problema teu. Acabei pagando com reais, pesos chilenos, argentinos e dólares. No final, ainda além de pagar diretamente ao posto policial passei parte do dinheiro dobrado, o cara entregou ao colega que foi até um quarto do posto e voltou dizendo que faltava por volta de 50 dólares mais. Eu tinha certeza do quanto havia, mas tudo bem. Paguei o resto e saí de lá ainda dizendo feliz natal aos canalhas.
O caminho até Federal foi cheio de raiva e nojo. Voei a quase 140 km/h o limite da moto, estava pronto pra matar policiais. De qualquer forma devia procurar uma seguradora na argentina pra garantir não ter o mesmo problema no brasil ou até mesmo na volta. Bueno, fui raivoso até onde pude, não parei em nenhum posto de gasolina, queria chegar mais rápido ainda, a brincadeira com os policiais demorou por volta de uma hora ou mais então devia correr. Esqueci-me da infeliz limitação da moto, de uns 200 km de autonomia. Resultado foi que quando vi placas que dizia alguns quilômetros pra Federal a moto começou a falhar. Acionei a reserva e ela seguiu afogando e afogando e diminuindo cada vez mais de velocidade. Vi uma placa de posto de gasolina a um quilômetro adiante. A motinho andando a uns 40 por hora e afogando. A estrada não era uma das principais, uma estrada vazia, quase ninguém passava por ali e eram poucos os caminhões que ultrapassei, resultado era um medo gigantesco. Cheguei rindo como um louco, as gargalhadas até mais ou menos dez metros de um posto de gasolina de duas bombas, no meio do barro no que parecia ser uma fábrica de soja ou qualquer coisa do tipo. Muita alegria.
Federal no final das contas estava a um pouco mais do que diziam as placas e não demorei nem cinco minutos até chegar lá. Procurar uma seguradora era a missão. Percorri praticamente toda a cidade, fui em bancos, seguradoras e até uma que se chamava sociedade de seguradoras do não sei quanto. Nenhum lugar fazia seguro de viagem pra moto. Claro ninguém é louco de viajar sozinho de moto.
Finalmente, uma última tentativa me levou a uma seguradora minúscula que fazia o tal seguro, fiquei morrendo de apreensão até a mulher me entregar os papéis, fui felizmente muito bem atendido, uma exceção na argentina. Já devia ser meio dia passado, não sei quanto tempo perdido por causa do tal seguro. Bom, eu sabia que isso poderia acontecer e assumi o risco, deu no que deu.
Parti em direção a Uruguaiana, ou melhor, Paseo de Los Libres, antes de Uruguaiana o último destino antes de chegar no meu querido Rio Grande. Era por volta de duzentos quilômetros ou mais, então fiz por volta de cinquenta quilômetros e achei um posto logo depois de um trevo gigante sendo reformado onde não havia placa nenhuma e por sorte não errei o caminho. Abastecido fui ansioso pra chegar na minha terra, estava louco pra passar por Uruguaiana e seguir em direção a São Gabriel, e sabe, foi fácil. A saída da argentina foi ridícula, uns carimbos e já estava cruzando a ponte.
-Queeeero gaita, de oito baxos! Pra ver o rrrrronco que saí!!!
Eu realmente cruzei a ponte num sorriso até os calcanhares, me senti seguro já de ter conseguido informação com alguns gaúchos, pronto, ali estava tranquilo.

Abasteci na saída de Uruguaiana e melhor não se animar muito, faltavam por volta de 700 km ainda no mesmo dia e quando saí de Uruguaiana era umas quatro da tarde. Extremamente tarde.
Peguei a 290 e fui a tudo que pude, era o último trecho da viagem e mesmo com os barulhos da moto eu seguia louco, correndo. Acho que a embreagem estava comendo a ter problemas, pensava que seria impossível voltar, impossível. Conversava sozinho com a moto, precisava me aguentar até em casa, lhe prometi uma manutenção assim que possível, no sábado pela manhã, provavelmente. Parei em São Gabriel tentando ligar pra uma certa pessoa, queria fazer surpresa e queria ter certeza de que não haveria desencontro, perdi uma meia hora tentando encontrar um telefone publico que funcionasse e nada. Pronto, nem no cartão, botei crédito no celular e a desgraça não funcionava. Além disso, uma internet gratuita é impossível no brasil, quase impossível, pelo menos.
Acabei deixando de lado e segui diretaço. A pista na 290 é pouco esburacada, normalmente boa, as vezes com trechos ruins. Segui e segui, parando apenas pra abastecer pedindo sempre informação de quantos quilômetros até o próximo posto de gasolina, acabei seguindo até muito tarde da noite, onde em Eldorado do Sul já era tarde e a moto estava quase sem gasolina. Tinha medo do horário que os postos de gasolina iriam fechar, sem certeza de quanto mais poderia andar. Ali encontrei um posto de gasolina aberto e um querido tio que conversando mostrou-se um viajante de moto, parei de pé e me dei conta que a pizzaria do cara era cheia de decoração de moto. O cara era dos meus, alegria. Ofereceu qualquer tipo de ajuda que fosse necessária, uma comida numa hora dessas e contou rápidas viagens.
Tinha certeza que em porto e ali pela região da metrópole estaria tranquilo com relação a gasolina, mas antes disso, bah, era um sufoco. Sempre apostando que daria tempo de chegar pra abastecer no seguinte.
Cheguei em porto por volta da meia noite passada, não encontrei nenhum posto de gasolina próximo e já fui em direção a Canoas. Foi a roda girar umas vezes tocando a 116 e já me senti em casa e seguro, sem mais aquela agonia de não conseguir. Já era tarde mas por ali era fácil encontrar gasolina e pedir socorro. Abasteci em Canoas e fui, Esteio/Novo Hamburgo me esperavam sem saber.
Simples chegada, sem muita delonga, aquele orgulho de estar, chegar perfeito, chegar a tempo.

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